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Fernanda morava com Angelo Gabriel em Sobradinho 2. O casal havia alugado uma casa há um mês e estava junto desde 2016 |
Em menos de dois dias, mais uma mulher foi assassinada por motivo de gênero no Distrito Federal. Fernanda Landim Almeida, 33 anos, foi esfaqueada pelo companheiro, identificado como Angelo Gabryel, 28, após uma discussão entre os dois. O crime ocorreu na madrugada de ontem, em Sobradinho 2. A cabeleireira, que recebeu um golpe de faca na região do abdômen, não resistiu ao ferimento e morreu no local. A filha do casal, uma menina de 2 anos, presenciou o homicídio. No domingo, Leidenaura Moreira, 37, foi morta da mesma maneira (leia abaixo).
O caso é acompanhado pela 35ª Delegacia de Polícia (Sobradinho 2). Angelo Gabryel tem uma ficha criminal que inclui seis ocorrências por violência doméstica, agressão, injúria e ameaça contra Fernanda. Além da criança de 2 anos, ela deixa dois outros filhos, de relacionamentos anteriores: uma menina de 5 anos e um adolescente de 17. As duas mais novas moravam com a vítima, e o mais velho, com a avó materna. Após o crime, os três ficaram com a mãe de Fernanda.
Delegado-chefe da 35ª DP, Laércio Carvalho afirma que a vítima havia entrado com pedidos de medidas protetivas contra o companheiro. A Justiça concedeu duas, uma em 2019, outra no ano passado, após duas ocasiões em que houve desentendimentos entre os dois. No entanto, em 15 de maio, houve revogação do benefício a pedido de Fernanda. Depois disso, o casal se mudou com a filha para uma casa alugada, em Sobradinho 2. Em depoimento à polícia, vizinhos relataram que eram recorrentes brigas e desentendimentos entre os dois.
Ao confessar o crime, Angelo Gabryel disse que ele e a companheira haviam discutido por motivo de ciúme. Após a briga, ele saiu de casa e voltou por volta das 3h. O agressor pulou um muro de três metros de altura para entrar no lote, segundo a polícia. “O acusado conta que, quando voltou, ela estava com uma faca na mão. Depois de discussão e ameaças, ele tomou o item dela e desferiu o golpe fatal no abdômen (da vítima)”, relatou Laércio Carvalho. “Em seguida, ele gritou ‘Eu feri ela, eu feri ela’”, completou o delegado à frente do caso.
Relacionamento
Uma amiga de Fernanda que pediu para não ser identificada contou que Angelo Gabryel havia agredido a vítima em outros momentos. “Era um relacionamento bem conturbado. Várias vezes, avisei a ela para terminar com ele, porque acabaria nisso, mas não adiantou. Os dois brigavam sempre, e ele não a respeitava de forma alguma. Tantas vezes eu pedi que ela o largasse, mas ela não me escutou. Espero que a justiça seja feita. Entre nossos amigos, ninguém gostava dele”, detalha. Ela e Fernanda tinham uma amizade de 15 anos.
Outra amiga de Fernanda, que também não quis ter o nome divulgado, conta que ficou tomada por um sentimento de revolta. “Ela estava com muitos sonhos, muitos projetos, tinha muita vontade de vencer na vida. Fazia de tudo pelos filhos e era louca pela mais nova, que deu um gás na vida dela. Ela era muito apaixonada pelo Gabryel. Como as meninas estão falando, o amor louco por ele tirou a vida dela”, lamenta.
Após cometer o crime, o agressor largou a faca na sala, perto do corpo da vítima, e fugiu com a bainha da arma na cintura. O item, segundo a polícia, pode indicar que o objeto usado para matar Fernanda seria dele. Angelo Gabryel se escondeu em uma casa a cerca de 1 km de distância, mas os policiais militares conseguiram encontrá-lo e levá-lo para a 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho). O casal morava em um lote com várias residências há menos de um mês e, segundo as investigações, estava junto desde 2016. O agressor foi levado para a carceragem da Polícia Civil e deve responder pelo crime de feminicídio, com pena de até 30 anos de reclusão.
Memória
25 de abril
Karla Roberta Fernandes Pereira, 38 anos, foi degolada pelo companheiro, Adenor Pacheco de Oliveira, 47. Um catador de latinhas encontrou o corpo da vítima em um matagal, em Santa Maria. Após assassiná-la, o agressor saiu para beber com os amigos e, pela tarde, compareceu à delegacia. Em depoimento, o acusado mentiu sobre os fatos e não soube responder perguntas dos investigadores. Após confessar o feminicídio, ele foi preso. Karla deixou três filhos menores de idade.
22 de maio
O corpo de Karla Pucci, 47 anos, foi encontrado pelo filho dela, na funerária da qual ela era dona, no Paranoá. A empresária foi morta a pedradas e o principal suspeito era Valdemar Sobreiro Nogueira, 46, que mantinha um relacionamento de seis meses com a vítima. Depois de ele aparecer nas mídias sociais casado com outra mulher, Valdemar foi achado morto em um hotel de São Paulo, dois dias depois.
Ocorrências
32
Feminicídios no DF em 2019
17
Casos registrados em 2020 (-46,8%)
6
Feminicídios entre janeiro e abril de 2020
8
Casos registrados no mesmo período de 2021 (+33%)
19
Tentativas de feminicídio entre janeiro e abril de 2020
23
Tentativas de feminicídio entre janeiro e abril de 2021
Palavra de especialista
Problema endêmico
As leis aprovadas ainda são ineficientes para conter a onda de violência contra a mulher. Com contenções de atos anteriores a casos de violência física e feminicídio, pode-se evitar a morte de mulheres, mas o Brasil ainda caminha nesse sentido. Muitas vezes, mesmo com medidas protetivas, elas são vitimadas, porque não temos um sistema eficiente de fiscalização dessas medidas pelo Poder Executivo. O apoio institucional, de abrigamento e inserção no mercado de trabalho, é tão fundamental quanto o incentivo às denúncias. O Estado precisa se debruçar sobre esse problema — que é endêmico, mas tem solução. Os programas não são eficientes, senão as mulheres denunciaram mais.
Renata Gil, juíza e presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)