a partir de canções que nos remete aos áureos tempos de nossa MPB
Diferente de outrora, a música popular brasileira definha a passos largos, à exceção de nomes pontuais e bastante conhecidos do grande público ou uma ou outra novidade que acaba por muitas vezes perdendo-se em meio a tanta mediocridade que nos é praticamente impostas através dos mais distintos canais de comunicação existente em nosso país. Um verdadeiro crime à arte feita com esmero, uma vez que trata-se de concessões públicas e que deveriam ter por finalidade maior a valorização da cultura nacional a partir do reconhecimento da qualidade da obra, e não por deixando-se levar em consideração aspectos econômicos como tem sido boa parte das diretrizes radiofônicas e televisivas vigentes. Trabalhos musicais que buscam atender aos mais refinados padrões melódicos e estéticos tem perdido a vez na concorrência desleal imposta a partir de outros deturpados parâmetros usados afim de aferir qualidade. É nesse desfavorável contexto, que a a cantora e compositora Fátima de Castro volta ao mercado fonográfico para nos atestar que nem tudo está perdido neste desgostoso aluvião sonoro. Compositora de mão cheia, a cantora e instrumentista volta aos discos depois de um hiato de duas décadas afastada da indústria do disco. Voltou para enfrentar o desfavorável contexto ao qual trabalhos como o seu tem que enfrentar paulatinamente. No entanto, mesmo ciente que remaria contra a maré, a artista não se deixou abalar nem rendeu-se aos ditames que regem o cenário musical e manteve-se firme em seu propósito de apresentar um trabalho agradavelmente destoante. Coragem para poucos que conseguem sobrepor-se a partir do talento, e com esse instrumento busca remar contra a desfavorável maré regente para a sorte daqueles que acreditam na redenção da música popular de qualidade que outrora predominava com folga os mais distintos espaços.
Instrumentista que teve como docente o exímio violonista Henrique Annes, para quem não conhece Fátima de Castro, ela traz em sua biografia artística décadas de história pautadas sempre em uma coerente trajetória. O caminho musical ao qual optou e vem trilhando teve início nos anos de 1960 a partir de esporádicas apresentações em shows universitários e programas de televisão que aos poucos, foi lhe propiciando uma maior visibilidade na cena musical pernambucana a partir dos mais diferentes contextos, tal qual a apresentação no Teatro do Parque ao lado do saudoso cantor Nelson Gonçalves pelo “Projeto Seis e Meia”. O acúmulo dessa experiência lhe deu a segurança precisa para, em 1994, incursionar pela primeira vez no mercado fonográfico ao lançar de modo independente o álbum “Fátima de Castro“, CD onde constam distintos ritmos musicais e a presenças de compositores diversos. Em 1995 a cantora, compositora e instrumentista volta novamente ao mercado do disco desta vez com um registro ao vivo e desde então havia dado uma pausa em sua discografia. Esposa do compositor Bráulio de Castro (que merece um capítulo à parte devido também a sua história dentro da música popular brasileira), agora volta interpretando quinze faixas que ora levam a sua assinatura como a bossa “Saudade” e a faixa “Samba do Kim”; em parceria com o marido vem “De repente”, “Minha presa”, “Palavras mal ditas”, “Deixa doer”, “Meu soluço”, “Antropofágica” e “Desacerto”. Da lavra de Fátima com outros compositores estão presentes as canções “Amigo da alegria” (parceria com Horton Coura), “Alguém possível” (com Paulo Elias) e “Recife Sol e cor” (com Carlos Pessoa de Melo). O disco ainda evidencia o seu lado intérprete ao trazer para o deleite dos admiradores da boa música canções como “Vinho da mesma safra” de autoria de Bráulio de Castro”, e as canções “Álbum de sonhos” e “Mais um louco” (do compositor em parceria com Paulo Elias).
“Bossas e Blues” conta com a participação de nomes de peso da música instrumental pernambucana o que acaba por reiterar o compromisso que a artista selou com a proposta musical que abraçou desde o início e que evidencia-se nos diversos gêneros que a sua obra abrange desde que se propôs a fazer música. O CD traz consigo a chancela da qualidade, característica esta que, em momento algum, deixa de evidenciar-se no trabalho do início ao fim. Para respaldar esse precioso detalhe o disco conta com o requinte e o bom gosto de nomes como o do maestro Edson Rodrigues, com irrepreensíveis instrumentistas tais quais o guitarrista Luciano Magno, o pianista e tecladista Fábio Valois, o acordeonista Beto Hortis e Beto do Bandolim, que como o próprio nome artístico revela executa bandolim. Vale frisar que o disco conta ainda, em sua tessitura sonora, a chancela do irrevente e talentoso Maestro Forró e o endossamento do Maestro Spok, maior expoente da atualidade do gênero que melhor representa a música pernambucana: o frevo.
De antemão já deixo claro: apesar do título do álbum limitar-se a dois gêneros musicais, “Bossas e Blues” é um disco que abarca nuances diversos de uma parcela significativa da boa música. feita não apenas nem nosso país, mas de distintos gêneros existentes em todo o planeta. A prova maior desta afirmação é possível ter já na primeira faixa de “Bossas e Blues“, a partir de uma canção de nos remete sem escala aos anos dourados da música mundial a partir das saudosas big bands tão evidentes nas décadas da primeira metade do século XX. Um arranjo que nos remete a nomes como Duke Ellington, Glenn Miller e tantos outros. Daí em diante é uma efusão de uma rica sonoridade que só quem tem a oportunidade de conhecer o trabalho é capaz de perceber. Uma qualidade que faz com que o nome de Fátima de Castro reitere novamente o time da boa música pernambucana a partir de projetos fonográficos como este. Mesmo com uma carreira pontuada por significativos intervalos, Fátima mostra com talento e bom gosto o quanto faz falta para o cenário musical pernambucano sempre que buscou manter-se à margem dos holofotes. Em um cenário musical cada vez mais nefasto, trabalhos como “Bossas e Blues” reiteram a esperança naquilo que o fez o Brasil ser respeitado em todos os cantos do planeta ao se falar de arte. É um disco que facilmente pode servir de proa a favor dessa nau da boa música que insiste singrar esse mar de lama a qual a música popular brasileira anda mergulhada. Que nomes como o de Fátima de Castro estejam sempre a nos mostrar que nem tudo está perdido dentro da música popular brasileira a partir de trabalhos carregados de verdade e inquestionável qualidade. A música brasileira agradece e nós, pernambucanos acostumados ao título de megalomaníaco em tudo, ganhamos mais um motivo para manter a fama.
Deixo para deleite dos leitores de nossa coluna a canção “Minha presa“, como já dito, uma parceria sua com Bráulio de Castro: