No entanto, intrigada com a atividade intelectual do coelho, dele se aproximou muito curiosa:
– Coelhinho, o que você está fazendo aí, tão concentrado, diante dessa maquininha eletrônica? – Estou redigindo a minha tese de doutorado, disse o coelho, sem tirar os olhos do seu trabalho. A raposa insistiu:
– E qual é o tema da sua tese? O coelho respondeu que era uma teoria provando que os coelhos são os verdadeiros predadores naturais das raposas, desde as mais remotas épocas.
A raposa arretou-se por inteiro:
– Ora!!! Isso é ridículo, coelho bobão!!! Nós, canídeos, é que somos os predadores dos coelhos! – Absolutamente, disse o coelhinho. Se desejar mais provas, venha comigo à minha toca que eu lhe mostrarei o resultado da minha experiência.
O coelho e a raposa entram na toca. Instantes depois são ouvidos ruídos indecifráveis, alguns poucos grunhidos e depois um gigantesco silêncio. Logo após a gritaria, o coelho retorna ao seu computador, sozinho, riso todo maroto, continuando a redação de sua tese, como se nada tivesse acontecido.
Meia hora depois passa por ali um lobo dos grandões. Ao ver o apetitoso animal todo datilógrafo, agradece mentalmente à cadeia alimentar por estar com o seu jantar garantido. Mesmo assim, o lobo também acha muito estranho um coelho trabalhando naquela concentração toda, sem atenção alguma para com o seu derredor. Resolve então saber do que se trata aquilo tudo, antes de abocanhar o animalzinho:
– Olá, jovem coelhinho! O que o está fazendo trabalhar com tanta atenção?
– Trata-se de uma tese de doutoramento por mim desenvolvida, seu lobo. É uma teoria
que venho investigando há algum tempo e que prova que nós, coelhos, somos os grandes predadores naturais de vários animais carnívoros, inclusive dos lobos.
O lobo não se conteve com a petulância do coelho:
– Meu caro apetitoso coelhinho! Isto é um tremendo despautério! Nós, os lobos, é que somos os genuínos predadores naturais dos coelhos. Aliás, chega de conversa… Vamos ao que me interessa.
– Desculpe-me, seu lobo, retorquiu o coelhinho doutorando, mas se você quiser eu posso apresentar a minha prova experimental. Você gostaria de me acompanhar até à minha toca?
O lobo não consegue acreditar na sua boa sorte. E com a sua futura vítima, desapareceu toca adentro. Alguns instantes depois ouvem-se uns uivos desesperados, ruídos de mastigação e… silêncio cemiterial. Mais uma vez o coelho retorna sozinho, com toda tranquilidade voltando ao trabalho redacional da sua tese, como se nada tivesse acontecido.
Dentro da toca do coelho vê-se uma enorme pilha de ossos ensanguentados e pelancas de diversas ex-raposas. Ao lado dela, outra pilha ainda maior, de ossos e restos mortais daquilo que um dia foi um bocado de lobos. Ao centro das duas pilhas de ossos, um enorme leão, satisfeito, bem alimentado, palitando os dentes, gordo que nem um paxá.
Moral da fábula, em cinco pontos nada cardeais: 1. Não importa quão absurdo seja o tema de sua tese; 2. Não importa se você não possui mínimos fundamentos científicos; 3. Pouco importa se os seus experimentos nunca lograram provar sua teoria; 4. Não importa nem mesmo se suas ideias vão contra o mais óbvio dos conceitos lógicos; 5. O que importa é quem está apoiando financeiramente a sua tese.
Uma fábula de muita valia para aqueles que estão indignados com o não esclarecimento de assassinatos vários, inflações descabidas, castigos impostos somente aos abestados e liberdade plena dos bandidões de colarinho branco que ainda se encontram sem um padre-nosso de penitência. Para não falar nos empresários traficantes de drogas, que se locupletam das ingenuidades e sonhos dos portadores de pouca criticidade, dotados de múltiplas ambições descabidas.