Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Estadão sexta, 28 de agosto de 2020

FABIANA COZZA RECRIA A LINGUAGEM DOS TERREIROS

 

Fabiana Cozza recria a linguagem dos terreiros em álbum comovente e inspirador

Depois de receber obrigação religiosa no candomblé, cantora faz disco produzido por Fi Maróstica com dezenove cantos a orixás e vários colaboradores

Julio Maria, O Estado de S.Paulo

28 de agosto de 2020 | 05h00

Seria mais um verso a passar pelas dezenove canções do álbum como tantos passam o tempo todo, cantado e reproduzido sem que muita gente saiba bem do que se trata. Ogã de Ogum é o nome da canção. Ogãs, chefes ou dirigentes, em iorubá, são os homens permitidos a tocar a percussão nas cerimônias pelas entidades superiores da umbanda e do candomblé. Ogum é o orixá da justiça, da ação, dos caminhos, o guerreiro maior. Os versos ficam fortes dentro de uma divisão tremente, de se dançar cantando qualquer palavra. “Pega o cará e bota epô pra temperar / E pra reforçar o ori / Pede padê pra Bará.” Resumindo, a festa farta está prestes a começar.

 

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Fabi Cozza: "A vida está na voz da gente"
 

Algumas faixas depois vem Doce Oxum saudar a rainha das cachoeiras e todas as águas doces com uma saída musical cheia de delicadezas, das mais fiéis à energia amorosa criada por Gisele de Santi, com os percussionistas Cauê Silva, Douglas Alonso e Simone Sou, além de Fi Maróstica no timple, um instrumento de cordas das Ilhas Canárias. E virão ainda Exu Elegbara, Ossain ou Ossanha, Xangô, Iemanjá, Oxalá e vários outros nomes elevados dos terreiros. O álbum de Fabiana Cozza, chamado Dos Santos, seu sobrenome real, poderia ir por muitos caminhos, e seriam todos legítimos num momento de encorajamento a ataques a crenças afrorreligiosas. Mas não foi. 

Ao evitar se tornar um extrato puro e respeitoso das giras, ele não se fecha no folclore. E ao suprimir o violão como o irradiador de uma nova bênção aos terreiros, como já fizeram e jogaram a chave fora Baden Powell e Vinicius de Moraes ao compor o LP Afro-Sambas, em 1966, não se torna uma repetição. Por mais que diz se tratar de um trabalho coletivo, o que ele foi em sua composição, Fabi Cozza e Fi Maróstica são os centros de uma sonoridade delicada, de pausas e reflexões sem pressas nem temores. Convidado pela cantora, o baixista Fi pensou se era um território em que poderia entrar mas logo aceitou. Seus arranjos sustentando a voz levaram a música dos orixás para um canto de oração inspirador.

Fabi, que á praticante batizada no candomblé e na Jurema Sagrada, recebeu a missão da criação do álbum em uma obrigação dos orixás. Ela então passou a ligar para os compositores que o instinto pedia e a convidá-los a colaborar. Aos poucos, percebeu que muitos tinham alguma relação com o orixá em que pensava antes de ligar. “Eu descobria que cada um deles tinha uma relação com o pedido que eu fazia, e o disco foi nascendo.”

E eles foram chegando. Mãe Zezé de Oxum, ialorixá de 84 anos, 72 de candomblé, fez questão de cantar e tocar água de coco (sim, não é uma excentricidade, é seu instrumento) em Cânticos para Iemanjá, colhida do domínio público. A grande mãe, rainha mais cantada, senhoras dos mares, pede licença à Fabiana e faz sua entrega.

O detentor do poder, senhor dos caminhos, Exu, Elegbara teve sua saudação, bravum, usada para batizar um samba inédito também da parceria Moyseis Marques, música, e Luiz Simas, letra. Uma energia perfeita, desses encontros raros. A orientação de Fi faz, mais uma vez, a diferença de qualquer álbum já gravado sob a mesma temática. Além das percussões de Cauê Silva, Douglas Alonso e Xeina Barros, e do baixo de Fi, os violoncelos de Adriana Holtz e Vana Bock soam como a própria oração. A mais bela das melodias, e talvez seja onde a melodia se movimente mais, saiu da inspiração do casal Luciana Rabello e Paulo César Pinheiro. Ela se chama Kabecilê, uma saudação a Xangô, algo como “venha saudar o rei”. 

É um afro-samba legítimo de Paulo, como se já soasse sua assinatura. “Me faltava uma música de Xangô, e eu sei que Paulinho tem muitos afazeres. Mas eu sabia que tinha de ser ele.” Ela ligou primeiro para Luciana, mulher de Paulo e instrumentista. “Foi no dia em que teve a reunião dos ministros. Luciana contou depois que saiu de frente da TV enojada e fez a música em 20 minutos. Passou a Paulo, que também fez a letra muito rápido. E ele estava desde fevereiro sem compor nada.”

O álbum tem ainda Oração a Ossain, de Pedro Luís e Carlos Rennó, com a guitarra de Jurandir Santana que, se nunca seria usada em um terreiro, leva o canto para a África; e Tempo Velho, de Douglas Germano, uma das poucas letras que não citam diretamente um orixá; e Dona do Mato, de Roque Ferreira, com uma aura cativante, de se grudar logo (“Dona do mato chegou de chapéu de couro e o gaio verde na mão / Foi pra gira juremada, rodou com seu boiadeiro / Pena branca e a marujada / Saiu consultando as matas se acabando na risada”). 

O baiano Tiganá Santana volta, depois de assinar o texto de abertura, em Lemba Kakala, com Sami Bordokan evocando todas as ancestralidades do alaúde, Canto Pra Xangô é entoado pela autoridade Nega Duda, sambadeira do Recôncavo Baiano, e uma reaparição da canção-reza Senhora Negra, de Sérgio Pererê, um louvor à Nossa Senhora Aparecida cantada antes por Fabi em um projeto de 2017, mas com outros arranjos. Se soa a muitos como um disco político? “É também”, diz Fabi. “Uma mulher negra cantando tudo isso e chegando com quem eu chego? Só pode ser.” Assim seja.


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