Publicação: 05/08/2020 04:00
» RODRIGO CRAVEIRO
O carro em que Hadi Nasrallah, 25 anos, estava se deslocava pela Avenida Shoubek, no centro de Beirute, a 1,6km do porto. No fim da tarde de ontem, ele retornava da casa de amigos, quando visualizou uma coluna de fumaça, pelo vidro traseiro. “As pessoas me disseram tratar-se de uma explosão. Eu me dirigia até meu apartamento, na região sul da capital, a 3km do porto. Às 18h07 (12h07 em Brasília), ao chegar lá, vi um clarão e perdi a audição. Os vidros dos carros e dos prédios ao nosso redor explodiram. Era como uma chuva de vidros, caindo de cada edifício. Tudo se estilhaçava. Foi aterrorizante”, contou ao Correio, por telefone. Vídeos divulgados pelas redes sociais mostram a segunda gigantesca explosão em forma de cogumelo, seguida de violenta onda expansiva que varreu carros e destruiu tudo pela frente. Até o fechamento desta edição, as autoridades do Líbano contabilizavam 78 mortos e cerca de 4 mil feridos.
O Conselho Superior de Defesa libanês declarou Beirute “zona de desastre”. O governo confirmou que 2.750t de nitrato de amônio (substância usada em fertilizantes e explosivos), estocadas no porto, provocaram a catástrofe. “O material estava havia seis anos em um armazém, sem medidas preventivas. Isso é inaceitável”, disse o premiê, Hasan Diab. O presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou que a explosão “parece um ataque terrível”. “Os EUA estão prontos a ajudar o Líbano.” O magnata contou ter recebido de “experts militares” a informação de que o incidente foi causado por “uma bomba de algum tipo”. Minutos depois da tragédia, o governo de Israel apressou-se a negar envolvimento com a explosão e abriu um canal humanitário e diplomático com Beirute. Israel e a milícia xiita libanesa Hezbollah vivem em tensão.
“Uma catástrofe maior atingiu o Líbano”, lamentou o presidente libanês, Michel Aoun, ao abrir a reunião de emergência do Conselho Superior de Defesa — formado ainda pelo primeiro-ministro, Hassan Diab, e pela ministra da Defesa, Zeina Akar. A explosão pôde ser ouvida a 264km, no Chipre, e provocou um terremoto de 3,3 graus de magnitude na escala Richter. As explosões afetaram um navio das Forças Interinas das Nações Unidas no Líbano (Unifil, pela sigla em inglês), ferindo gravemente alguns marinheiros, cujas nacionalidades não foram reveladas. “Estamos com o povo e o governo libanês (...) e dispostos a dar assistência”, acrescentou a Finul.
Por meio do Twitter, a Marinha do Brasil afirmou que “todos os marinheiros brasileiros componentes da Força-Tarefa Marítima (Unifil) estão bem e não há feridos”. “A Fragata Independência encontra-se operando no mar, normalmente. O navio estava distante do local da explosão”, anunciou.
Hiroshima
“Primeiro, houve um incêndio. Nós escutamos duas explosões. O que vimos era parecido com a bomba nuclear de Hiroshima. Vi uma grande nuvem de fumaça branca e vermelha. Eu estava a 5km do porto, mas meus pais moram a 50km de Beirute e escutaram o estrondo”, relatou à reportagem o executivo Hussein Nasrallah, primo de Hadi. “O medo e a confusão tomaram conta das ruas, depois que sentimos o tremor.” O governador de Beirute, Mawan Abboud, visitou a área afetada e não conteve o choro. “Parece com o que ocorreu no Japão, em Hiroshima e em Nagasaki. Nunca vi uma destruição nesta escala”, desabafou. Filho de uma brasileira, o guia turístico José Jaoude, 40, descreveu ao Correio o que vivenciou no fim da tarde de ontem. “Senti a enorme explosão no meu peito, enquanto a casa tremia por toda a parte. De repente, houve uma segunda explosão”, disse.
O jornalista independente libanês Habib Battah, admitiu ao Correio que teve muita sorte. “Eu tinha passado em frente ao porto 10 minutos antes. Parei em uma farmácia e escutei um estrondo. Olhei para o céu e achei que fosse um bombardeio israelense. Meu corpo se moveu para trás, e uma onda de choque passou por mim. Meu coração disparou. Tive flashbacks sobre atentados que presenciei e me lembrei do assassinato do primeiro-ministro, Rafiq Hariri, em 2005”, comentou. Segundo Battah, milhares de casas perderam as janelas e o porto foi completamente destruído. “Dezenas de armazéns foram nivelados pela explosão. O porto era muito importante para Beirute e para o Líbano — 80% de nossos produtos são importados.”
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro solidarizou-se com o povo e o governo do Líbano, afirmou que acompanha “com atenção” os acontecimentos na cidade e que está pronto para prestar a assistência consular cabível. “Não há, até o momento, notícia de cidadãos brasileiros mortos ou gravemente feridos”, destacou.
Professor de direito e de relações internacionais pelo IESB, Weber Lima disse não descartar um atentado terrorista, mas acredita mais na tese de um acidente. “O Líbano tem vivido uma instabilidade política, social e econômica. Quando ocorre algo assim, sempre fica a suspeita de ataque. Em nações instáveis, a fiscalização de depósitos e armazéns é muito frágil. O assassinato do ex-primeiro ministro Rafiq Hariri, em 14 de fevereiro de 2005, levanta a suspeita de não ter sido um acidente”, disse ao Correio. Em relação à declaração de Trump, Lima acredita que a “guerra permanente ao terror” colocou em xeque informações difundidas pelos EUA, especialmente no atual governo.
» Testemunhas
“Pensei tratar-se de um ataque israelense, um atentado com carro-bomba ou uma tentativa de assassinato — isso geralmente ocorre no centro de Beirute. A minha impressão é de que não foi um acidente. Nós perdemos gás, eletricidade e água. Estamos perdendo tudo. De repente, perdemos nosso porto durante o colapso econômico. Não é coincidência, algo está acontecendo. Eu não posso imaginar que acabamos de perder o nosso porto mais vital. As próximas semanas serão duras.”
Hadi Nasrallah, 25 anos, ativista, analista independente em Beirute e testemunha da explosão
“Fiquei muito assustado, pois foi tão forte que o meu prédio inteiro tremeu. Pensei que um avião tivesse caído perto. A explosão parecia Hiroshima, de tão forte. Recebi mensagens do Chipre e do norte do Líbano de pessoas que escutaram o estrondo. Infelizmente, tudo o que estava ao redor foi destruído e há muitos mortos e feridos.”
José Jaoude, 40 anos, guia turístico libanês, filho de brasileira. Mora em Beirute desde 2013