Eu gosto de escrever sobre o passado – eu não me envergonho do que passei nem do que vivi e trabalhei para vencer os obstáculos. Saudade não vai me matar – nunca fiz nada de que não possa me orgulhar.
Assim, de novo estou relembrando as boas coisas da vida (a minha) e do que é positivo e vale sempre a pena lembrar. Hoje quero falar desse profissional que, mude quem mudar, e chegue a forma de vida que chegar, continuará ali, de pé, trabalhando para ganhar a vida e o sustento da família: o barbeiro.
E aí me veio à lembrança o “Expedito Barbeiro”, que não era o único do bairro, mas tinha hábitos que prendiam o freguês sentado por horas e horas – quando cortava o cabelo e raspava a barba.
Por anos Expedito trabalhava numa cadeira assim – a Ferrante
Conversador extremo, fofoqueiro de marca maior, e muito convencido. Assim era Expedito Barbeiro, que, durante anos virou referência para muitos.
Onde você mora?
– Na primeira rua depois do Expedito Barbeiro!
Onde fica a Farmácia São José?
– Na mesma rua do Expedito Barbeiro!
Muito atencioso com todo freguês, Expedito fazia questão de entreter o dito cujo contando estórias as mais diversas (e muitas até inventadas). Aos sábados trabalhava até tarde da noite. Vestia uma única roupa: calças e camisa social branca. Calça de linho branco. Usava óculos Ray-ban, sempre. Fumava feito uma caipora. Dizia que pagava promessa feita para Santo Expedito.
Tinha dois hábitos (hoje chamados de “hobby”) dos quais se orgulhava muito. Era filatélico, e parte do que ganhava e sobrava – quando sobrava – comprava selos. Colecionava selos. Selos valiosos do Brasil e do exterior. Comprou um cofre apenas para guardar as pastas com os selos, e guardava o segredo do cofre como se nele estivessem contidas barras de ouro.
O outro hábito: colecionava charges do “Amigo da Onça” (criado por Péricles), que retirava da revista semana O Cruzeiro. Chegou a mandar reproduzir uma charge do Amigo da Onça, onde esse aparecia trabalhando como barbeiro.
Expedito só bebia conhaque São João da Barra “queimado” (ou pingado, como dizem alguns) e só fazia isso aos domingos, depois que despachava o último cliente.
Navalha Solingen “Corneta” – marca preferida de Expedito
Era gostoso observar Expedido Barbeiro afiando a navalha numa peça de couro montada sobre uma peça de raiz muito leve. Com a navalha afiada e sem as exigências atuais, Expedito se orgulhava de nunca ter “cortado” ninguém enquanto raspava as barbas.
Era um mestre no cortar o cabelo dos clientes, e melhor ainda em satisfaze-los. Servia café aos que estavam na “fila” esperando a vez de serem atendidos. Fornecia revistas e jornais para ajudar a passar o tempo da espera.
Anos depois de sair definitivamente de Fortaleza, voltei à casa onde morei. Ainda encontrei alguns amigos dos tempos da juventude, moradores da Rua Professor Costa Mendes, no bairro Porangabuçu. Perguntei por Expedito e ninguém respondeu. Ninguém soube de nada, mas muitos achavam que Expedito Barbeiro sumiu como éter. Talvez tenha sumido junto com as charges do Amigo da Onça, com quem, aliás, ele parecia muito.
Água Velva pós barba – a preferida de Expedito Barbeiro
– Pronto! Você está um homem novo!
Era assim que Expedito falava quando terminava de atender seus clientes, principalmente os que faziam cabelo e barba. Esperto, o barbeiro fazia firulas ao terminar de atender alguém. Pegava uma chave, que ele sabia onde guardava, mas fazia questão de procurar, para tentar mostrar que o cliente era importante.
Pegava a chave e meticulosamente abria um armário, de onde retirava um frasco de Água Velva, uma loção pós-barba que costumava usar para agradar a clientela.
E dizia:
– Novo e cheiroso e pode até ir para a igreja casar!