RIO - Durante a pandemia, a atriz Eva Wilma, que morreu ontem aos 87 anos, vítima de um câncer no ovário, teve que criar conexões com novas formas de exercer sua arte, como muito de seus pares, em tempos de distanciamento social. Em setembro do ano passado, em casa, diante de algumas câmeras e sem o olhar atento da plateia, ela estrelou o espetáculo “Eva, a live’’, com transmissão no YouTube e no Instagram. "Essa é uma forma de me adaptar temporariamente. Venho de outro tipo de relação com o público. Era uma relação menos efêmera e imediata", contou.
Quarentenada, ela comparou o atual momento a uma "terceira guerra mundial", diante de tantas angústicas e incertezas. Mas sempre se mostrou otimista: "Sonhar é necessário. Quem deixa de sonhar se entrega. Noel Rosa dizia que 'adeus é pra quem deixa a vida'. Meu filho tem uma canção que parodia essa frase e que termina dizendo: 'Adeus é pra quem deixa de sonhar'", disse ela, na ocasião. A seguir, trechos da entrevista com a atriz.
Acho que isso é transitório. É uma forma de nos adaptarmos temporariamente e nos mantermos próximos, ativos. Mas eu não gosto muito. Acredito que as lives vão evoluir para uma linguagem própria. Mas uma peça de teatro encenada dessa forma, sem uma adaptação de roteiro e conceito, é só um "quebra galho". Fica muito longe do impacto que um ator, no espaço cênico livre do teatro, pode causar.
Qual a sua maior dificuldade com essa nova realidade das artes cênicas na internet?
Tenho dificuldade com a solicitação de vídeos rápidos para promover esses trabalhos, porque venho de outro tipo de relação com o público. Uma relação menos efêmera e imediata. Mas procuro me adaptar e encontrar prazer nestas demandas.
A senhora tem formação musical, e chegou a fazer aulas com Inezita Barroso na infância. Em algum momento, pensou em seguir a carreira de cantora?
Eu sempre fui meio exibidinha, e aquilo me dava muita satisfação. Mas também era bailarina, e acabei tendo uma relação profissional maior com a dança, chegando a participar do balé do 4º centenário, que acabou me levando à profissão de atriz. Acredito que as três profissões estão interligadas, mas a de cantora foi a que menos tentei. Interessante que, nessa altura da vida, depois de 66 anos de carreira, o canto é que me mantém mais forte pra prosseguir, até porque não dá para dançar mais, né? Se não fosse isso, acredito que dançaria novamente. Tudo me mantém viva.
Onde tem passado a quarentena?
Tenho passado a quarentena na minha casa. Já vivi tantos momentos de incertezas, mas nunca igual a esse, que atingiu o mundo inteiro. Parece que estamos atravessando a Terceira Guerra Mundial. Mas acredito que a humanidade vai saber se adaptar, como sempre. Daí lembro da canção do Gil, que cantávamos para encerrar nosso espetáculo: "Não me iludo, tudo permanecerá do jeito que tem sido, transcorrendo, transformando, tempo e espaço navegando todos os sentidos".
O que tem pensado neste momento de tantas incertezas?
Acredito que todos sentimos medo. O medo é uma proteção, e faz parte do processo de adaptação. Mas, aos poucos, o medo vai passando, e vemos que podemos confiar nos nossos brilhantes médicos, que enfrentam essa situação de forma brilhante.
Manter-se em atividade profissionalmente é uma maneira de aplacar as angústias?
Sonhar é necessário. Quem deixa de sonhar se entrega. Noel Rosa dizia que "adeus é pra quem deixa a vida". Meu filho tem uma canção que parodia essa frase e que termina dizendo: "Adeus é pra quem deixa de sonhar". Então, sonhar é estar vivo, e sonhar, na minha idade, é o que mais me dá esperanças.
Você lutou contra a ditadura militar brasileira, e participou da passeata dos cem mil. O que sente quando vê exaltações do atual governo a esse período da história do país?
Prefiro continuar trabalhando e através da arte continuar tentando contribuir para a melhora da nossa cultura e das nossas relações humanas. Sou otimista sempre.