Cientistas já comprovaram que as cores utilizadas nos anúncios das redes de fast food são uma estratégia para capturar a atenção dos consumidores. Agora, acabam de descobrir outro fator que torna ainda mais atrativas essas opções gordurosas. Estudos mostram que é muito mais difícil ignorar as comidas de alto valor calórico quando o estresse e o nervosismo estão presentes. Os pesquisadores explicam que isso ocorre devido a uma espécie de sobrecarga do sistema neural, condição que atrapalha a escolha por alimentos mais saudáveis. Para especialistas, a descoberta do novo mecanismo pode ajudar no combate à ingestão exagerada de calorias e, consequentemente, reduzir os casos de obesidade.
Até agora, não se sabia se a incapacidade das pessoas de ignorarem pistas de recompensa cerebrais — como luzes de neon e anúncios coloridos — era apenas algo sobre o qual os indivíduos não tinham controle ou se eram usados processos de controle executivo para trabalhar constantemente contra essas distrações. “O controle executivo é um termo para todos os processos cognitivos que nos permitem prestar atenção, organizar nossa vida, enfocar e regular nossas emoções”, explica Poppy Watson, pesquisadora da University of New South Wales (UNSW), na Austrália, e uma das autoras do estudo, publicado na revista Psychological Science, no início deste mês.
Para desvendar essa questão, Poppy Watson e sua equipe realizaram um experimento com mais de 100 participantes, que tinham que ficar olhando para uma tela com vários formatos geométricos e um círculo colorido. Os voluntários foram informados de que poderiam ganhar dinheiro se mirassem em forma de diamante. Mas se focassem no círculo colorido, não receberiam recompensas. “Para manipular a capacidade dos participantes de controlar seus recursos de atenção, pedimos a eles que fizessem essa tarefa sob condições de alta carga de memória e de baixa carga de memória”, detalha Watson.
Na versão de alta carga de memória, os voluntários tinham que memorizar uma sequência de números, além de localizar o diamante. Dessa forma, havia menos recursos de atenção disponíveis para se concentrar na tarefa que lhes renderia recompensas. O outro grupo não precisou decorar os números. Uma técnica de rastreamento ocular permitiu que todos os participantes fossem monitorados.
Os resultados obtidos surpreenderam a equipe. “Os participantes acharam realmente difícil não olhar para os sinais que dificultavam obter a recompensa — os círculos coloridos — quando estavam em situação de alta carga de memória”, conta Watson. “Crucialmente, os círculos se tornaram mais difíceis de ignorar quando as pessoas foram solicitadas a memorizar números. Isso ocorreu em cerca de 50% do tempo”, completa.
Segundo a pesquisadora, o desempenho dos participantes demonstra que os humanos precisam de acesso total aos processos de controle cognitivo para tentar suprimir sinais indesejados de recompensa. “Isso é especialmente relevante para as circunstâncias em que as pessoas estão tentando melhorar o comportamento. Por exemplo, ingerindo menos álcool ou fast food”, frisa.
Para a equipe, os resultados ajudam a entender por que pessoas podem achar mais difícil se concentrar em fazer uma dieta ou vencer um vício se estiverem sob muita pressão emocional. “Preocupação constante ou estresse é o equivalente ao cenário de alta carga de memória de nosso experimento, impactando na capacidade de um indivíduo de usar recursos de controle executivo de forma que o ajude a gerenciar sinais indesejados no ambiente”, explica Watson. “Se você está sob muita pressão cognitiva, estresse ou cansaço, por exemplo, deve tentar evitar situações em que será tentado por sinais”, aconselha.
Universitários
Uma pesquisa belga traz dados que reforçam a relação entre estresse e dificuldade no controle da alimentação, como identificaram os australianos. Os especialistas investigaram a relação entre a tensão enfrentada por estudantes antes das provas finais e possíveis alterações na qualidade da dieta durante o período. O questionário on-line foi respondido, de forma anônima, por 232 jovens, com idade entre 19 e 22 anos, recrutados na Universidade de Ghent e outras universidades da Bélgica. Durante as provas finais, em janeiro de 2017, os entrevistados foram solicitados a relatar o nível de estresse e a preencher questionários sobre padrões alimentares e vários fatores psicossociais.
Os resultados mostram que, durante o período do exame, os participantes acharam mais difícil manter uma dieta saudável. Apenas 25% cumpriram a ingestão de 400g de frutas e vegetais por dia, quantidade recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, os estudantes que relataram níveis mais altos de estresse apresentaram maior propensão a lanchar com mais frequência. “O estresse tem sido implicado em má alimentação. As pessoas tendem a relatar excessos alimentares e consomem alimentos ricos em gordura, açúcar e calorias em momentos de estresse. Nossas análises confirmam essa hipótese”, frisa Nathalie Michels, pesquisadora da Universidade de Ghent, na Bélgica, e principal autora do estudo, apresentado no Congresso Europeu sobre Obesidade, em Glasgow, Reino Unido, em maio.
Ansiedade
Para Daniel Novais, nutricionista esportivo, as duas pesquisas comprovam informações conhecidas na área médica. “A ansiedade está ligada com o cortisol e a serotonina, substâncias relacionadas ao estresse. Alimentos doces e processados geram um processo inflamatório que influencia diretamente no neurotransmissor serotonina. Isso faz com que a pessoa fique ainda mais ansiosa, criando um ciclo sem fim, fazendo com que queira comer mais gordura.”
Segundo Gabriela Resende, endocrinologista do Hospital Sírio-libanês, em Brasília, há dois tipos de fome: a homeopática, relacionada a necessidades do organismo, e a hedônica, quando se come por prazer. Assim, como mostram as pesquisas, a forma como nos alimentamos está muito relacionada ao estilo de vida. “O estresse e o sedentarismo refletem nessa má alimentação, algo que também tem repercutido no aumento da obesidade.”
Vermelho e amarelo
Uma pesquisa divulgada, em 2006,
na revista Manegement Decision, mostrou que as cores mais usadas pelos restaurantes de fast food — o amarelo e o vermelho — provocam sensações nos clientes que podem contribuir para o aumento das vendas. Em uma análise com voluntários, cientistas americanos notaram que o amarelo reforça sentimentos de conforto e confiabilidade, já o vermelho provoca a fome.
Palavra de especialista
Mudança em etapas
“Com a rotina em que vivemos, estamos mais estressados. Por isso esse quadro de tentação pela comida realmente piora. Já é comprovado que, quando temos uma forma de restrição, a proibição do consumo de algo, nosso inconsciente fica tentado a burlar essa regra. Por isso não podemos abdicar de alimentações gordurosas de uma vez, é preciso se adaptar aos poucos, criar atalhos. Só dessa forma se pode mudar hábitos com sucesso. Até porque, quando paramos de uma vez, é fácil ter uma recaída, e, quando ela ocorre, pode tornar o cenário pior do que antes. Atividades como a meditação e a ioga têm se mostrado importantes nessa busca. Elas conseguem ajudar a lidar com o emocional, contribuindo para um maior equilíbrio e autocontrole.”
Omar de Faria Neto, nutricionista