10 de agosto de 2020 | 05h00
Quando criança, Mariana Souza Farias, de 17 anos, passava as tardes assistindo TV. Sua mãe lembra do alvoroço que a garota fazia sempre que aparecia alguém dançando na tela. Não importando qual tipo de dança fosse. “Eu só sabia que queria dançar, não importava o quê”, lembra a jovem. Em 2012, um carro de som circulando pelos becos e vielas do bairro trouxe a boa nova que mudaria sua vida e de tantas outras garotas e garotos. Surgia uma escola de balé, gratuita, mas era necessário fazer os exames de seleção. Mariana foi aprovada logo nos primeiros dias e considera essa vivência um divisor de águas em sua existência. “Hoje, sou uma bailarina”, diz, emocionada.
A concepção da escola é da coreógrafa Monica Tarragó que, da janela de sua casa, observava aquela dura realidade e teve a ideia de ajudar a transformar um pouco daquilo que via de longe. “Antes de tudo, buscamos formar bons cidadãos para o mundo”, destaca a professora, sendo o balé uma importante ferramenta para isso. Junto com Gilson Rodrigues, da Associação de Moradores e Comércio de Paraisópolis, a escola ao longo dos seus oito anos, foi crescendo e, antes da pandemia e do isolamento social, atendia presencialmente 200 jovens, 190 meninas e dez meninos.
Produtor executivo da escola, Jorge Andreatta lembra o dia exato em que as aulas presenciais pararam: 16 de março. Mariana lembra com tristeza desse momento. “Me afetou bastante. Não sentia ninguém por perto. Não tinha abraço. Nem conversa, nem risada. Tive insônia e crises de ansiedade”, relembra. Com o passar dos dias e os anúncios dos órgãos de saúde alertando a população de que essa fase demoraria a passar, a escola iniciou as aulas online para o grupo seleto dos trinta alunos que fazem parte do corpo do Balé de Paraisópolis. Os demais receberam apostilas pedagógicas. Todos os 200 recebem cestas básicas e kits de higiene pessoal mensais, distribuídos com o auxílio da Cruz Vermelha Brasileira.
As aulas online via aplicativo Zoom significaram aprendizado constante para o grupo, tanto para os professores e equipe de produção como para os alunos. Monica lembra que os exercícios físicos precisavam ser estudados para não afetar a musculatura e tendões. O piso das casas não era o apropriado para a prática, mas já era um alento para quem havia passado semanas sem o contato com os amigos e professores. “Tivemos um lado positivo: a presença virtual de importantes professores, como a Isabelle Guerin – foi emocionante”, conta Monica.
Isabelle, ex-integrante do corpo de baile do Ballet de l’Opéra de Paris em 1978 e nomeada Étoile (estrela) em 1985, já havia conhecido o grupo em uma viagem que fizeram para Nova York, onde as meninas de Paraisópolis puderam viajar para fora do país pela primeira vez e conhecer as principais escolas de dança dos Estados Unidos. “Meu sonho é estudar na Alvin Ailey”, diz, com segurança, Giovana Ferreira Guimarães, de 18 anos, outra aluna veterana da escola, há oito anos no grupo.
As sessões via Zoom fluíam, mas a falta do presencial era sentida pelas meninas e, com a liberação dos órgãos de saúde para a reabertura gradual do setor complementar de educação, incluindo o ensino de artes, informática, reforço escolar e dança com até 40% dos alunos matriculados, decidiram voltar. Era preciso encontrar um local adequado, com boa ventilação e espaçoso. A resposta estava no QG do combate ao coronavírus em Paraisópolis, o antigo Centro Dia para o Idoso, um prédio amplo que alterou completamente seus fins de ocupação com o surgimento do vírus e as demandas da população para combatê-lo.
Por lá, são feitas cerca de duas mil marmitas diárias em uma cozinha industrial por mulheres da comunidade, um grupo faz máscaras e outro, de socorristas, também está baseado lá para atender os moradores do bairro e agora o Balé Paraisópolis. Foram realizadas diversas reuniões com os pais das alunas, que decidiram que os estudantes contemplados com as aulas presenciais seriam os mais velhos, na faixa entre 14 e 18 anos. Segundo Jorge Andreatta, os mais velhos têm mais experiência e noção das medidas para evitar o contágio.
O prédio, projetado pelos arquitetos Analia Amorim, Ciro Pirondi e Ruben Otero, possui dois andares, no qual o segundo é uma espécie de laje coberta por um telhado em forma circular que proporciona ventilação em suas quatro laterais. O tablado de cerca de 100 metros quadrados foi montado nesse andar elevado, com a ajuda de um banco parceiro da escola.
O primeiro dia de aula, após 133 dias privados do encontro presencial, aconteceu na segunda-feira, 3 de agosto. O brilho nos olhos da menina Maria Luisa Santana de Brito, de 15 anos, há três no grupo, ajudava a explicar um pouco a importância da escola, das amizades, das risadas e dos passos da dança. Banhada pela luz quente do inverno paulistano e com uma vista panorâmica das incontáveis casas de tijolinho aparente, a menina se exercitava em silêncio distante das colegas. “Quando fiz a reverência, um gesto clássico que termina as aulas de balé, olhei para o bairro e agradeci por tudo que ele representa na minha vida”, finaliza a menina.