...ERA UMA VEZ NO OESTE, JÁ É UM FILME CINQUENTÃO
Por Altamir Pinheiro
Um anos antes e outro depois de 1968(aliás, muitos afirmam que 1968 foi um ano que nunca terminou). Enquanto o mundo vivia em efervescência com o movimento estudantil de maio/68 em Paris; também acontecia o festival de música de Woodstock em Nova Iorque; o clima apreensivo pela morte do guerrilheiro Che Guevara na Bolívia, alheio a todos esses movimentos em curso, numa vasta área arenosa do Monument Valley, o cineasta Sergio Leone comandava uma tropa de atores formada por Charles Bronson, Woody Strode, Henry Fonda, Jack Elam, Jason Robards e tantos outros, além da divina e maravilhosa Claudia Cardinale.
Estamos falando das filmagens da película ERA UMA VEZ NO OESTE, donde, todo cenário se passa no Monument Valley, no Arizona(palco do lendário ator John Wayne e do baita diretor John Ford). Pois bem, o filme em tela que se tornou num divisor de águas entre Hollywood e a cinematografia italiana, caracteriza-se pela modalidade conhecida como faroeste spaghetti, adequadamente dirigido por Sergio Leone e com a trilha sonora empolgante e extremamente melancólica do também italiano, o excepcional maestro Ennio Morricone que faleceu no ano de 2020 aos 91 anos de idade.
O interessante que àqueles personagens que compõem o elenco não são heroicos, bonitos, com topetes e pele clara, de jeito nenhum!!! Seus respectivos protagonistas são sujos, suados, com aspectos grudentos e maltrapilhos, afinal, estamos no Velho Oeste, e o diretor Leone dá características únicas para cada um de seus personagens, desde a mosca na cena inicial a gaita de Charles Bronson, passando pelas muletas de snaky e o ranger dos dentes de Frank...
Há quem diga que, na década de 1960, os westerns estavam atravessando uma nova linha, já que o formato norte-americano de se observar o cotidiano cansativo das coisas já estava consumindo os amantes do bang bang. Como relatado acima, nesta época, muitas mudanças culturais estavam ingressando na sociedade. Pareciam que os westerns americanos já eram clichês passados, se não fosse a interferência da Itália em realizar também suas próprias produções. Na verdade, o gênero estritamente americano por excelência, mas que conseguiu adeptos de fãs no mundo inteiro, o cinema norte americano levou para todos os costumes dos velhos pioneiros na conquista da terra bravia, caravanas, diligências, salons, homens da lei e bandidos ou mocinhos.
O que se via era herói salvando a mocinha e beijando-a no final, e principalmente, a característica do herói, sempre limpinho, arrumadinho e barbeado, que nas brigas nunca caía o chapéu de cowboy? Sim, isto era o contraste dos verdadeiros homens do oeste, que em sua grande parte eram sujos e desalinhados. Quando víamos cowboys alinhados como Randolph Scott, Audie Murphy, Gary Cooper, John Wayne, George Montgomery, Jock Mahoney, e tantos outros, analisamos o quanto é contrastante para com a realidade do que foi o Velho Oeste e seus contemporâneos.
O cinéfilo de muita grandeza e especialista em filmes faroestes, o carioca Paulo Telles, faz uma pergunta bastante interessante aos aficionados desta modalidade de cinema, mas por que um país da Europa se interessaria em realizar westerns se este é um gênero somente americano?!?!?! Ele mesmo responde, simples: somente um cineasta italiano, que era um fã dos westerns americanos, queria apresentar ao mundo o que os americanos nunca ousaram mostrar nas telas, e este cineasta era Sergio Leone que lamentavelmente morreu em 1989 com apenas 60 anos de idade.
Leone queria mostrar ao público o que era, na realidade, o velho oeste americano, retratando seus "mocinhos e bandidos" sujos, suados, poeirentos, e com barba por fazer, e tramas nada românticas, afastando definitivamente toda legenda áurea que Hollywood mostrou ao longo de quase 50 anos. Doravante, surgia uma nova etapa no gênero, o "WESTERN SPAGHETTI", como era definido o gênero além mar, produzido por cineastas italianos e rodados em alguns lugares na própria Itália, mas precisamente também na Espanha, na região de Alméria, lembrava também alguns lugares do deserto do Oeste dos Estados Unidos, como o Monument Valley, no Arizona (Estado de Utha), que é tida como a "Terra de John Ford", pelo fato do grande Mestre ter dirigido muitas de suas películas westerns neste local.
O enredo do filme propriamente dito começa com Jill McBain (Claudia Cardinale) que é uma ex-prostituta de New Orleans que chega à cidade de Flagstone, no Arizona, para conhecer seu marido, o irlandês Brett McBain (Frank Wolff), com quem se casara um mês antes em New Orleans. McBain é proprietário de terras por onde passará a estrada de ferro pertencente a Morton (Gabriele Ferzetti). Este quer as terras de McBain e contrata o pistoleiro Frank (Henry Fonda) para intimidar o irlandês, mas Frank assassina friamente McBain e seus três filhos. A princípio Jill pensa em se desfazer da propriedade chamada Sweetwater, porém após conhecer o bandido mexicano Manuel 'Cheyenne' Gutierrez (Jason Robards) e ainda um estranho apelidado 'Harmônica' (Charles Bronson), Jill muda de ideia. A mulher passa então a acalentar o sonho do marido de transformar Sweetwater não apenas em uma mera estação, mas em uma pequena cidade.
Esta história relativamente simples, escrita por Dario Argento, Bernardo Bertolucci e pelo próprio Sergio Leone rendeu um roteiro de 420 páginas das quais somente 14 eram de diálogos. Leone costumava citar uma frase de John Ford na qual o Mestre das Pradarias afirmara que "um bom filme de ação não pode ter muitos diálogos". Contraditoriamente, "Era Uma Vez no Oeste" não foi concebido por seu diretor para ser um filme de ação, mas sim uma espécie de ópera onde pudesse exercitar sua criatividade cinematográfica. Assim como em muitas óperas, cada personagem é caracterizado por um tema musical e disso se encarregou magistralmente Ennio Morricone. Além da música Leone contou com um bom diretor de arte para construir os impressionantes cenários para a magna ópera-western que o delirante diretor imaginou. Não se canta em "Era Uma Vez no Oeste", mas este monumental e compassado western é um espetáculo que bem poderia ser encenado no Scala de Milão ou no Metropolitan Opera de Nova York.
O cinéfilo paulista Darci Fonseca nos afirma com grande precisão que, Leone pretendeu mostrar a chegada da civilização ao Velho Oeste realizando um filme majestoso e deslumbrante. Atingiu seu objetivo pois nenhum outro western se compara a "Era Uma Vez no Oeste" quanto a impressionar pelo lirismo de suas imagens. Reconhecido tanto por sua criatividade quanto por seus excessos, Leone não dosou seu estilo e concebeu uma grande ópera-western, a suprema teatralização do gênero que mais justo seria ser creditada como um filme de Sergio Leone e Ennio Morricone.
Genial, mestre Altamir Pinheiro, a abordagem. Há quem diga que, ERA UMA VEZ NO OESTE, o maior western de todos os tempos, é uma obra atemporal, e sua autoria também pode ser atribuída ao gênio de Ennio Morricone. Parabéns, mestre pela crônica e pela estreia no ALMANAQUE DO RAIMUNDO FLORIANO.
TAVARES, você é o cara!!!
O título que dá nome a esta coluna é baseado no filme do conhecido diretor de cinema John Sturges, protagonizado por dois TESTAS DE TOURO que são os magníficos Burgt Lancaster e Kirk Douglas. De público quero agradecer ao GIGANTE d.matt (Balneário Camboriú - SC) e (TAVARES- Recife - PE), que são os responsáveis diretos po título da COLUNA. Aliás, um nome muito sugestivo: SEM MEDO & SEM LEI (Notícias do Velho Oeste).