EPÍLOGO
Quintino Cunha
Só de um lance de vista a ideia morre,
Sem ver no Solimões grandeza alguma;
Porque assim de relance, mal parece
Um vasto espelho de moldura verde
Onde o Céu tem costume de mirar-se!
Vede-o alternadamente:
É um mar tranquilo
Onde passa um navio. Agora, é a praia
— Branca toalha de Deus ao Sol corando,
Uma igara, que o desça, a vida lembra
No declive do mundo enfurecido,
E ora tão calmo, das paixões humanas.
A garça que ali pouse, é o ponto branco
Da pulcra proposição: — a ave é a poesia.
Se porventura o vento o agita, um coro
De banzeiros, em lágrimas desfeito,
Ecoa ao longe, no íntimo das matas!
O louro-rosa, o cedro, a samaumeira,
Quando derivam na voraz corrente,
Lembram destroços de cruel derrota
Da mais tremenda luta pela vida.
Quando à margem fervilha a piracema
De jaraquis, pacus, mandis, sardinhas,
Frágeis, cambiantes, madreperoladas,
Vezes subindo à flor d'água, e de novo,
Quando o dourado ou o boto lhes persegue,
Caindo como bátegas de chuva
Na coberta de zinco das barracas,
Igualando-os, no meio, a piraiua
Como a queda de um'árvore na mata,
Ou mesmo a pirarara, arremedando
As lavadeiras quando batem roupa;
Quando estrugindo o jacaré bubuia,
Na defesa dos filhos pequeninos,
Se humana voz em terra os arremeda;
Quando, à mercê da simples correnteza,
De bubuia, nas árvores que descem,
As gaivotas também descem reunidas,
Como um bando de náufragos, que buscam
Salvação nos destroços, que flutuam,
Da galera infeliz da humanidade,
Se tal galera a mata imensa fosse;
E quando outras no ar recurvam voares
E o corta-água e a ariramba gaivoteiam,
Assim, sim, já se pode ter em mente
Que o território desse rio imenso,
Sem marcos miliários confinantes,
É um país ideal, cheio de assombros,
E de verdades e d'encantos cheio!
Vede-o profundamente:
No seu seio
Milhões de seres encantados moram,
Mitologicamente idealizados:
De Uirará, de Unutara, de Honorato,
À virginal Ararambóia, à Iara,
Iara — a formosa imperatriz netúnica,
A sereia fluvial, por cujo canto,
Perdera a fala a fauna ictiológica,
Subjugando-a, vencendo-a, dominando-a,
Como o próprio Tupã, do alto de Iuaca
Na pátria pois das ilhas flutuantes,
Onde Boiaçu nos dera a noite.
E onde Membiíra rosna como a onça,
Quando os botos suspiram como gente,
Os botos, filhos da encantada corte,
Nesse canto, patrícios, a poesia
Não flutua, mas vive como os peixes!...
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Dá-me, Amor Pátrio, com que agora o veja
De um moroso galerno, espanejado,
Como uma taça imensa, onde Iara beba
À saúde do Sol que nos aclara,
Com esse licor original de sombras
— Sombras de nuvens, dissolvidas n'água!