Por Carol Braga, Naum Giló e Fernanda Cavalcante* — Segundo a Associação dos Motofretistas Autônomos e Entregadores de Aplicativo do Distrito Federal e Entorno (Amae-DF), a capital tem cerca 30 mil trabalhadores da categoria em atividade. Eles são responsáveis pelo conforto do brasiliense em receber encomendas na porta de casa ou do condomínio. Apesar da importância da tarefa que desempenham, sobretudo a partir da pandemia, eles ainda são frequentemente alvos de agressões e de intolerância por parte de clientes, além de não terem estrutura e direitos que lhes garantam condições dignas de trabalho, como pontos de apoio para poderem se alimentar, descansar, hidratar-se ou recarregar o celular, ferramenta fundamental de trabalho para eles. A sensação é de invisibilidade.
Wesley Santos, 23 anos, no ramo há dois anos, relata episódios de desrespeito. "Teve uma vez que brigaram comigo porque o lanche estava molhado, mas está fora do meu controle se está chovendo e a pessoa demora para abrir o portão", conta, indignado. "Também na chuva, outro cliente demorou 20 minutos para pegar o pedido", lembra. "A pessoa sequer agradeceu", relembra.
Antes de usar a motocicleta para sobreviver, Wesley trabalhava em um restaurante com carteira assinada, mas o que ganhava não supria as necessidades. "Com as entregas, consigo trabalhar um pouco mais e ganhar um pouco mais também", explica. Por dia, o jovem faz de 25 a 30 viagens, faturando entre R$ 200 e R$ 250, mas ele destaca que esse dinheiro também é usado para combustível e manutenção da moto, além de alimentação. Santos começa as entregas às 11h e termina às 23h.
Ele mora com a esposa em Sobradinho. O único dia da semana que o casal tem para fazer algum programa juntos é a segunda-feira, quando estão de folga. "Feliz é uma palavra muito forte, mas sou grato pelo que conquistei, porque, hoje, estou melhor do que antes, com o antigo trabalho", afirma.
Para Geraldo Góes, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a invisibilidade dos entregadores e dos motoboys vai além do dia a dia da profissão. "Falta regulação estatal desse trabalho. Há uma invisibilidade do ponto de vista do quanto as plataformas divulgam sobre como são as relações trabalhistas", analisa. Segundo o professor, nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, existem regulações e padronização de quais e de quantos dados devem ser divulgados pelas empresas sobre os trabalhadores. "Com o aumento de dados disponibilizados, conseguimos fazer pesquisas mais qualificadas e conhecer melhor essas pessoas e suas necessidades", explica o pesquisador.
De acordo com estudos do Ipea, mais de 1,7 milhão de pessoas atuam com plataformas de entregas no Brasil, número que representa praticamente 2% da força de trabalho nacional. Segundo Geraldo, é importante o Estado regular essas relações entre empresas e empregados, porque o modelo plataformizado veio para ficar e tende a crescer. "Começou no setor de transportes e, em um futuro próximo, deve chegar às indústrias", aponta.
"Eu me sinto invisível e cansado, porque nós nos entregamos para esse trabalho, dando conforto para a sociedade, mas não somos bem remunerados, as condições são precárias e somos desvalorizados, apesar de colocarmos em risco a saúde e a segurança, fora o estresse", desabafa Alessandro da Conceição, 31, conhecido como "Motoboy Sorriso". Presidente da Amae-DF, ele conta que entrou no ramo no período da pandemia da covid-19, momento em que, segundo ele, ao invés de serem valorizados, foram ainda mais precarizados, com aumento de jornada e queda no rendimento.
O motoboy trabalha todos os dias, entre 11h e 23h, deixando em casa a esposa e as filhas de 9 meses e de 4 anos. Ele consegue fazer entre 15 e 22 entregas, o que rende de R$ 100 a R$ 150 no dia. O motoboy não conseguiu completar o ensino médio. Largou a escola para ajudar com as contas de casa. No entanto, a conclusão dos estudos está nos planos e Sorriso pensa em ingressar na faculdade.
O desrespeito com a categoria é sentido cotidianamente. "A gente faz a gentileza de subir no apartamento para fazer a entrega e não recebe bom dia ou boa tarde. Aconteceu de o cliente colocar só a mão para fora e fechar a porta na minha cara", relembra o motoboy. "Se até hoje trabalho nisso é porque eu gosto. É um sonho meu ver a nossa profissão ser valorizada", ressalva.