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Caixões de vítimas do novo coronavírus colocados em depósito de Ponte San Pietro, perto de Bergamo, na região da Lombardia: risco de infecção proíbe velórios e funerais; corpos são cremados
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Papa Francisco beija os pés do Cristo Milagroso, durante cerimônia na Cidade do Vaticano: imagem teria sido usada para pôr fim à peste de 1522
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Sob chuva e ante uma Praça de São Pedro escura e completamente vazia, algo sem precedentes na históra milenar da Igreja Católica, o papa Francisco suplicou: “Senhor, abençoe o mundo, dê saúde aos corpos e conforto aos corações; Senhor, não nos deixe à mercê da tempestade”. O pontífice citou uma “tormenta inesperada e furiosa”, “uma tempestade que desmascara nossa vulnerabilidade e deixa descobertas essas falsas e supérfluas seguranças”. Ao conceder a indulgência plenária à humanidade, às 18h de ontem (14h em Brasília), Francisco lembrou que “é diante do sofrimento que se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nosso povos”. Foi uma referência a “médicos, enfermeiros, estoquistas, funcionários da limpeza, cuidadoras, motoristas, forças de segurança, voluntários, sacerdotes, religiosos e tantos outros”. Ele elogiou o sacrifício de “tantos que compreenderam que ninguém se salva sozinho”.
No dia em que a pandemia do novo coronavírus levou o líder católico a ministrar a bênção Urbi et orbi (“À cidade e ao mundo”), transmitida pela internet, a Itália registrou 969 mortes em 24 horas, um balanço que nenhum país alcançou até o momento. Até o fechamento desta edição, os italianos contabilizavam 9.134 óbitos.
Francisco afirmou que, há algumas semanas, “densa escuridão cobriu nossas praças, ruas e cidades; tomou conta de nossas vidas, preenchendo tudo de um silêncio que ensurdece e de um vazio desolador, que paralisa tudo em seu caminho: ela se palpita no ar, se sente nos gestos, é dita nos olhares”. “Nós nos encontramos assustados e perdidos”, admitiu o pontífice, que se curvou e beijou o crucifixo do Cristo Milagroso — uma peça de 500 anos trazida da Igreja de San Marcello al Corso, em Roma, a qual acredita-se tenha curado a peste de 1522. “Estamos todos no mesmo barco e somos chamados a remar juntos.” A celebração do papa foi entremeada pelo toque dos sinos e pela sirene das ambulâncias — o mesmo som ecoa pela Lombardia (norte), a região mais castigada pela pandemia.
Cuidadora de idosos em um asilo de Bergamo, a 40km de Milão, a gaúcha Eime Fortunatti, 30 anos, contou ao Correio que oito pacientes morreram no local com suspeita de Covid-19. “Os sintomas iniciais são similares aos da gripe: dores no corpo, inflamação na garganta, falta de paladar e de olfato. Depois, vêm a febre e a perda de apetite”, relatou a brasileira, que usa máscaras e luvas no trabalho. “Se estamos infectadas ou não, é impossível sabermos. O governo não tem disponibilizado testes suficientes. Na última semana de fevereiro, tive todos os sintomas. Vi idosos morrerem, devagarinho, com sintomas leves, seguidos de febre e falta de oxigênio.”
Silêncio e medo
Em Milão, a empreendedora carioca Amanda Menezes, 33, relatou que o silêncio generalizado na cidade traz o medo. “Apesar do isolamento total, os números de mortes e de infecções seguem crescendo. O vírus tem um período de incubação de 14 dias, a Itália inteira fechou há mais de duas semanas e os casos não param de aumentar. A impressão em Milão é de que todos estamos contagiados”, desabafou ao Correio. Segundo ela, o fator psicológico que mais pesa é a falta de previsão sobre quando a vida voltará à normalidade. “O medo aqui transcende a questão econômica, mas engloba a incerteza geral de não saber no que isso vai dar. O isolamento começou há cerca de um mês. A campanha para que Milão retornasse ao trabalho levou a uma explosão dos casos. Eu procuro me cuidar. Após ir ao supermercado, ao chegar em casa sempre lavo as mãos e passo álcool em gel”, disse Amanda.
“Hoje, faz 1 mês e sete dias que minha vida parou. No momento, podemos sair somente para fazer compras, ir à farmácia ou ao médico. Tudo com declaração por escrito, relatando nossa origem, destino e motivo do deslocamento”, disse a estudante de comunicação Eduarda Rosa dos Santos, 21, que trocou Salvador por Milão em 2017. De acordo com ela, uma amiga perdeu a avó e não pôde se despedir nem organizar o velório. “É uma situação muito triste. O governo italiano demorou o suficiente para que a situação aqui se tornasse uma pandemia. No começo, eu me lembro de escutar na TV que deveríamos continuar com nossas vidas normais. Pouco a pouco, a situação se agravou. O Brasil tem o exemplo caro do erro cometido pela Itália.” Na quinta-feira, o prefeito Beppe Sala admitiu o equívoco da campanha “Milão não para”. “Foi um erro. Ninguém havia ainda entendido a virulência do vírus”, disse.
Apesar do trágico cenário na Itália, o pior estaria a caminho. “Não atingimos o pico. Temos sinais de desaceleração (do número de casos), o que nos faz crer que estejamos perto dele”, declarou Silvio Brusaferro, chefe do Instituto Superior da Saúde. Ele ressaltou que o confinamento e a proibição de atividades em setores não essenciais têm surtido efeito.