Foi dessa forma, carregada de desdém, que o porteiro de um prédio da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, em frente ao anexo do Copacabana Palace, respondeu à pergunta do jornalista e historiador Haroldo Coronel. A "velha" a quem ele se referia era ninguém menos que a atriz e cantora Elvira Pagã, mito do erotismo brasileiro. Primeira mulher a usar biquini em Copacabana, a paulista de Itararé, ainda nos anos 50, posou nua para uma foto, que passou a distribuir como se fosse um cartão natalino. Estrela do Teatro de Revista, Pagã enfrentou o conservadorismo machista e o moralismo. Foi uma das mulheres mais ousadas de seu tempo, ao lado de Luz del Fuego.
Nos últimos anos de vida da artista, Haroldo encontrava Elvira nas ruas próximas e a acompanhava ao prédio. Vivia só, sem empregada para lhe fazer companhia, no apartamento mantido pela irmã Rosina, com quem iniciou a carreira artística. Rosina, ainda nos anos 40, foi para o México e, depois, para os Estados Unidos. Cantou em boates, casou-se com um milionário e ficou viúva. Era ela quem sustentava Elvira no Rio, pagando o aluguel do apartamento de Copacabana. Uma terceira irmã, Leonor, mora em Belo Horizonte.
Elvira Olivieri Cozzolino nasceu em 6 de setembro de 1920, de pai americano e mãe paranaense. A família era pobre e de vida confusa. Segundo a própria Elvira, ela foi raptada pela mãe aos 4 anos de idade. Aos 13, casou-se com Theodoro Eduardo Duvivier Filho, de 39 anos. Foi o segundo rapto de sua vida e o primeiro estupro, dizia ela própria. Depois foi para o teatro de revista e adotou o nome Pagã, indicativo de pecado à época. Seu nome, declarou ao GLOBO em 1967, era sinônimo de escândalo, atentado ao pudor, imoralidade.
Mas era uma deusa da beleza, e, no Rio, capital federal e centro da vida cultural do país, virou ídola. Temperamental, cabelos longos e sedosos, tinha um corpo "perfeito" para os padrões dos anos 40, com 90 cm de busto, 55 de cintura e 90 de quadris. Perfeito para ousar, como conta o pesquisador Fernando Moura em "História do biquíni":
"Na América do Sul, a primazia de usar o biquíni coube à brasileira Elvira Pagã. No início de 1950, na Praia de Copacabana, ela rasgou e adaptou o modelo 'duas peças' usado no teatro rebolado. Elvira atraía atenção vestindo dois pequenos pedaços de tecido no corpo, dourado por uma penugem loura. No exterior ficou conhecida como "The original bikini girl" e "The brazilian buzz bomb". E não desistia de afrontar a moral. Depois de operar os seios, posou nua e distribuiu a fotografia como cartão de Natal.
Foi a primeira Rainha do Carnaval Carioca. Dizia que o carnaval "foi uma orgia só" entre 49 e 64, época de seu reinado no Teatro Recreio, na Boate Arpége e no Cassino Icaraí, no Rio, ou no Nick Bar paulista. Elvira esteve em oito filmes: "O bobo do rei" (1936); "Cidade-Mulher" (1936); "Alô alô carnaval" (1936); "Laranja-da-China" (1940); "Carnaval no fogo" (1949); "Dominó negro" (1949); "Aviso aos navegantes" (1950); e "Écharpe de seda" (1950).
No fim dos anos 60, ela se recolheu. Saiu da vida artística e da vida social. Dizia não precisar de amantes e se intitulava sacerdotisa, ligada a discos voadores e à Atlântida. Morreu em 8 de maio de 2003, aos 82 anos, de falência geral dos órgãos, na Clínica Santa Cristina, em Santa Teresa. Não teve filhos. Sua família levou o corpo para uma estância hidromineral do Sul de Minas e manteve escondida a morte, apenas revelada depois de três meses.
Elvira Pagã foi uma atriz, cantora, compositora e vedete 03/06/1973 / Agência O Globo