“Senhores passageiros, preparar para decolagem”, diz o piloto com voz calma e transmitindo segurança. Com uma mão nos instrumentos do avião, ele fica de ouvido ligado nas instruções que lhe são passadas. Apesar de ter todo um horizonte à frente, ao longo da trajetória de sua rota, vai contar com a ajuda de homens e mulheres que o observam por telas com círculos e números que dizem se está tudo bem ou se alguma medida deve ser tomada, até que o avião pouse e seus passageiros e tripulação desçam dele. “Se um avião tiver uma pessoa, o piloto só, ele já é importante para nós”, garante o capitão da Aeronáutica André Buarque, com 30 anos de experiência. Amanhã é comemorado o Dia do Controlador de Voo, profissionais que cuidam da segurança de aeronaves da pista aos ares para as pistas de volta.
Em Brasília, os controladores de tráfego aéreo da Força Aérea Brasileira (FAB) trabalham no Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta I), localizado nas dependências do terminal administrado pela Inframerica. O sistema funciona 24 horas e os controladores se revezam em turnos de sete horas e meia ou nove horas de trabalho.
Antes de ingressar na FAB, o candidato a controlador precisa ser aprovado em concurso público. Os aprovados no processo seletivo passam pela fase de capacitação, que inclui a adaptação à atividade militar e o curso de controlador de tráfego aéreo em escolas especiais. Entre outras habilidades exigidas, é necessário ter um conhecimento amplo em meteorologia, navegação aérea, geografia, inglês, amplo conhecimento de aeronaves e também de todas as normas de tráfego aéreo.
Organização
Ao contrário do que a imaginação popular desenha, os controladores de voo não trabalham só nas torres de aeroportos. Na verdade, aqueles que trabalham nesse lugar específico lidam visualmente com as aeronaves observando aterrissagens, decolagens e o taxiamento dos aviões. Outro controlador de voo com o qual os pilotos contam são os que trabalham nos Centros de Controle de Aproximação. Em um raio de 40 milhas (cerca de 64km), eles organizam a fila de aviões que sobe e desce dos aeroportos. “As aeronaves devem ser mantidas a no mínimo 1.000 pés de distância uma da outra, isso é um pouco mais de 300 metros”, explica Iveh Rocha, controladora de voo e 2ª sargento da Aeronáutica.
A terceira peça no controle de voo é o controle de área, realizado no Brasil em quatro perímetros. O Centro de Controle de Área em Brasília cobre boa parte de Minas Gerais, de São Paulo, do Mato Grosso, Rio de Janeiro e Espírito Santo. “Temos a área com maior fluxo de voos, apesar de ser uma das menores”, pontua o controlador e 2º sargento Raphael Almeida. Contando com equipamentos, eles mantêm os aviões em rota e alertam para eventualidade de clima. “Mesmo vendo aqui, nós dependemos do piloto nos dizer se a nuvem está acima ou abaixo dele”, explica o capitão André Buarque. Na tela do equipamento, cada aeronave aparece como um círculo e junto a ela sua identificação, matrícula, velocidade (em nós) e altura (em pés).
Confiança
No decorrer de um voo, a aeronave começa no solo sob a responsabilidade do controlador de voo da torre. Uma vez que a torre não tenha mais contato visual, um controlador em um centro de aproximação vai guiá-lo na sequência de aviões que saem dali. Já em altitude de cruzeiro, ele passa a receber instrução de outro controlador, este num centro de controle de área. Quando da descida, essa ordem se inverte.
A relação entre controladores de voo e pilotos depende de muita confiança. “A gente também depende de informações de pilotos para atualizar os outros pilotos”, comenta o capitão Buarque. Por esse mesmo motivo, controladores e pilotos são levados a terem contato com os ambientes de trabalho um do outro: o controle e a cabine. “O intercâmbio de conhecimento é muito bom, porque a gente consegue entender quais são as necessidades da aviação hoje por meio dos pilotos, e eles podem observar nossa linha de raciocínio”, aponta a 2ª sargento Iveh Rocha.
O trabalho dos controladores varia muito com o fluxo do tráfego aéreo. “Quando há maior demanda, precisamos tomar medidas para o controle de fluxo, como redução da velocidade das aeronaves em voo e suspensão das decolagens em terra. Mas num ritmo tranquilo, a gente trabalha muito com antecipação. Se der para agilizar o voo, a gente vai fazer”, afirma a 2ª sargento Iveh.
O capitão André Buarque faz uma analogia do controle de tráfego aéreo com um cruzamento de vias numa cidade. “Você tem um cruzamento que não tem muito tráfego, você não precisa botar nada lá. Começou a aumentar um pouco, você coloca uma sinalização, um semáforo, tem de tomar conta desse cruzamento para não ter acidente. A mesma coisa acontece com os aeródromos”, compara o oficial.
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Iveh Rocha pretednia ser piloto, mas se realizou como controladora |
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Raphael Almeida: reponsabilidade pela área com maior número de voos |
Tecnologia
Com 30 anos lidando com controle de voo, André Buarque chegou a lidar com a aviação sem radares. “A gente controlava apenas pela frequência de rádio. O básico do controle de voo é você ter o contato de rádio com a aeronave. A gente preenchia uma ficha com as informações do plano de voo e controlava as aeronaves assim”, conta o capitão.
O capitão André Buarque lembra, com bom humor, dos primeiros contatos com o radar. “A tela era monocromática. A gente costumava dizer que o controlador de voo podia ser daltônico”. Hoje, o sistema agrega informações de condição das aeronaves por cores, tais como transferência de nave entre controladores, pouso, decolagem, situação de perigo.
Em 29 de setembro de 2006, o voo 1907 da Gol que ia de Manaus até o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com escala em Brasília chocou-se com um jato Embraer Legacy 600. O acidente vitimou 154 pessoas, sem sobreviventes. André Buarque lembra de estar no controle do Cindacta 1 no dia do acidente, e vê nele um ponto de mudança no trabalho da equipe do controle. “Após aquele acidente, nosso nível de atenção aqui subiu e nosso maior trabalho é nos manter sempre alertas”, afirma o capitão.
Para minimizar a possibilidade de erro, na sala do controle de tráfego aéreo do aeroporto de Brasília, o foco é apenas no trabalho. Há inclusive uma placa alertando sobre a proibição de usar celular. Também não há permissão para aparelhos de TV ou de rádio.
Mulheres
Mais da metade do efetivo do controle no Cindacta I é composto por mulheres. Iveh Rocha cresceu voando de ultraleve com o pai no Rio Grande do Sul. Pretendia ser piloto, mas encontrou na carreira de controladora de voo uma realização. “A gente sente muita satisfação vendo que a gente está mantendo as pessoas seguras enquanto estão voando. Sempre que eu estou controlando, eu imagino que seja um ente querido meu que está voando”, ela diz.
Segundo o capitão Buarque, houve um tempo em que os pilotos eram críticos a controladoras de voo. “Você tinha um pessoal que falava que mulher não dava conta. Hoje já se vê que é notável o quanto elas têm atenção e prestam atenção a detalhes”, o veterano pontua. A 2ª sargento Iveh não vê muitos problemas na carreira enquanto mulher. “A gente se sente muito entrosada com a equipe, os pilotos já estão acostumados a ouvir nossa voz e têm muitas mulheres pilotando.”