O caminho para falar com Deus
“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós….”
E a gente sempre quer. Se eu pudesse, não pararia de falar com Ele. Ele é o meu único e melhor seguro – e será sempre a minha suprema corte. Ele, Ele e mais Ele.
E o que eu falaria com Ele?
Falaria, ora! Agradeceria pela vida, pela voz que me dá, pela inteligência que quis em mim e, na sua imensa bondade, ainda a dividiu com outros semelhantes. Agradeceria por acordar todos os dias e conseguir ver a luz e ter disposição para continuar construindo o que me dignifica. E a minha dignidade eu a divido com Ele.
E eu ainda me atreveria a pedir-lhe: Pai, na tua imensa bondade, cuida também de quem está aqui comigo, lendo o que me ajudaste a escrever.
* * *
As obrigações de todo dia
Usado e limpo
Todo dia. O galo cantava, e era acompanhado pelo bode, que berrava alto, produzindo uma sinfonia de bagunça. O caminhar dos bodes, cabras e cabritos no chiqueiro, juntava o tilintar dos chocalhos. O sono e a preguiça não suportavam isso. Tinha que levantar.
Uma caneca de água fria para lavar os olhos e mais um pouco para esfregar os dentes com raspa e pó de juá – o melhor e mais saudável dentifrício do mundo.
O café posto – leite de cabra fervido, beiju de massa de farinha, batata doce cozida, macaxeira, café e algumas vezes, uma espiga de milho cozida.
Breakfeast?
Não. Café de todo dia na roça. Na minha roça. Na roça onde nasci.
Trapos colocados e chapéu posto na cabeça. A direção? As muitas linhas da roça de mandioca e feijão de corda para limpar. Trabalhar até o suor que corria pela testa se transformar em sal. O sal da vida, o sal de mim. Ou, a exteriorização da dignidade de quem sempre será contra os bolsas issos e aquilos da vida de idiotas.
– Ei, você não fez todas as obrigações antes de sair de casa para o trabalho. Vá fazer!
O tom solene poderia causar espanto e dúvida para quem ouvisse aquilo e não morasse na casa da Vovó.
Pois, a “obrigação”, pasmem, era rebolar fora o penico de mijo usado durante a noite. Depois, lavar o penico com uma vassoura de palha e colocá-lo à secar na cabeça de uma estaca.
Tá pensando que a vida na roça é só dedilhar e brincar com celular?
Hammm! Pois sim! E ainda existem uns bestas formais, graduados, mestrados e doutorados, que vivem dizendo que isso é “trabalho forçado”!