Para 324 crianças e adolescentes da Estrutural, a educação não fica só dentro da escola nem serve apenas para tirar boas notas. O Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), projeto da organização Coletivo da Cidade, oferece atividades pedagógicas no período contrário ao das aulas, buscando reflexões sobre a realidade em que eles vivem.
Quem entra no espaço vê o colorido das paredes grafitadas dialogar com o verde das árvores e dos quadros das salas de aula. A quadra esportiva permite uma boa recreação e a biblioteca, o contato com a literatura. Para modernizar o aprendizado, a mais nova instalação é um laboratório de informática dentro de um contêiner, com computadores doados pela União Europeia.
“Aprendi tanta coisa depois que entrei no projeto que não sei quem eu seria se não tivesse aqui”, resume Raquel Santos, 16 anos. Ela conheceu o observatório há quatro anos, quando sua família descobriu a organização. De 2015 para cá, perdeu a conta de quantos temas debateu e quantos amigos fez nessa junção de lazer e educação. “Eu acho que se não fosse o coletivo, eu não teria a identidade que tenho hoje, não seria a mesma. As atividades aqui são muito educativas, a gente vai aprendendo e ensinando com os temas que tratamos.”
O coordenador do projeto, Walisson Lopes, 23, explica que as ações do OCA são centradas em temáticas específicas. “Mensalmente, fazemos uma assembleia para escolher um tema que será discutido aqui. Em um mês, são as crianças e os adolescentes que escolhem. Em outro, são os educadores”, detalha. Tudo isso é tratado a partir de uma metodologia chamada de roda de aprendizagem, que tem como pilares os conceitos do saber, criar, cuidar, conviver e brincar.
Foi na roda que Raquel pôde debater aspectos das vivências dos jovens de uma forma transformadora. “Dos temas que levantamos, os que eu mais gostei de discutir foram a homofobia e o racismo. Foi um pouco desgastante, porque nem todos os adolescentes pensam da mesma forma, mas a gente trabalhou isso. Há pessoas que não têm facilidade para entender certas coisas, porque foram criados de um jeito, mas, com essas conversas, a gente vê outras realidades, isso é muito bom”, relata.
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"Aqui é um espaço de aprendizagem, e nós acreditamos que é possível construir educação junto com crianças e adolescentes" Walisson Lopes, coordenador
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"Eu acho que se não fosse o coletivo, eu não teria a identidade que tenho hoje, não seria a mesma" Raquel Santos, participante do projeto
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O papel do educador
Em fevereiro, as atividades giram em torno da frase ‘A escola ideal’. O assunto amplo gera tarefas que variam entre as idades. Enquanto crianças desenham o que para elas significa uma instituição dos sonhos, adolescentes vão mais a fundo e debatem lados positivos e negativos da educação militar, por exemplo.
A educadora Leonice do Nascimento, 25, relata que encontra ali diferentes formas de expressão dos menores. “Os mais novos trazem muitas reflexões a partir dos desenhos. Agora, eles estão pintando como seria a escola dos sonhos e, depois, vamos ensinar a eles na roda do saber o que é a escola, qual o papel dela, de onde surgiram os pensamentos que a compõem e tudo o mais. De diversas maneiras, eles sempre trazem assuntos do convívio familiar e social deles. É bem intenso e comove muito, porque o nosso futuro são eles”, observa.
O resultado desses trabalhos sempre surpreende os professores do observatório. Em uma folha branca, uma criança de 10 anos usou tinta vermelha para pintar uma escola com grades altas, semelhante a uma prisão, e representar como vê o seu colégio. Ao lado, escolheu diferentes cores vibrantes para mostrar como queria que ela fosse: com árvores, área de lazer, salas espaçosas e fortemente iluminada pelos raios de sol.
É justamente assim que outra criança do observatório enxerga o OCA. Wadellen Souza, 11, já criou uma rotina. “Eu saio da escola, almoço, fico uns 20 minutos em casa e venho para o coletivo. Aqui, eu sou acolhido, converso com os professores e vou para as atividades, recreação, meditação e lanche”, conta. O aluno se sente bem no espaço, onde vê suas curiosidades serem ouvidas, compreendidas e trabalhadas. “Gosto muito daqui, sempre gostei. Eu me sinto feliz e brincalhão. E, com o que a gente faz aqui, a gente vê que pode promover mudanças”, descreve o menino.
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Participantes têm atividades em sala e no pátio da organização Coletivo da Cidade
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A voz deles
A prática anda junto com a teoria. Uma prova é o jornal produzido e distribuído por crianças e adolescentes do coletivo. “Dentro deste processo, nós criamos vários produtos, como o Voz da Quebrada, que é feito em aulas de educomunicação. Os adolescentes criam as pautas, escolhem as imagens e falam sobre coisas que eles acham interessantes”, detalha o coordenador Walisson Lopes. Em uma das edições do boletim, o assunto principal foi o brincar.
Além de colaborar com textos e desenhos, as crianças fizeram até um mapa mostrando pontos de lazer da Estrutural, com tópicos ilustrando o que cada lugar tem de bom e ruim. Um dos comentários negativos sobre um campo de futebol da cidade foi que lá “tem muita gente usando drogas”. Assim que os educadores ouviram a reclamação, começaram a debater formas de mudar os cenários da criminalidade.
“Essa é a nossa perspectiva: observar a Estrutural e levantar indicadores sobre os desafios que a cidade tem. Aqui é um espaço de aprendizagem, e nós acreditamos que é possível construir educação junto com crianças e adolescentes”, conclui Walisson.