EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE CAPITÃO
A. C. Dib
Bão balalão,
senhor capitão.
tirai este peso
do meu coração.
não é de tristeza,
não é de aflição:
é só de esperança,
senhor capitão!
a leve esperança,
a área esperança...
área, pois não!
peso mais pesado
não existe não.
ah, livrai-me dele,
senhor capitão!
Rondó do Capitão – Manuel Bandeira
Fiz, na companhia de minhas filhas Carolina e Luísa (que fez como “treineira”), vestibular na UnB, disputando vaga para o segundo semestre de 2013 do Bacharelado em Letras. Bastante fora de forma, paradão já há um bom tempo (que não revelo para não entregar minha idade), não esperava aprovação: fi-lo imbuído do propósito de, pelo meu exemplo, estimular o empenho das meninas. Qual não foi a minha surpresa quando o resultado saiu. Aprovado! Verdade que em terceira chamada, mas aprovado, aprovadíssimo, diria José Dias, de Dom Casmurro. E pra lá seguiu o velho turco, entusiasticamente apoiado por Wanisa ─ que compartilha comigo o amor ao saber ─, novamente tomando assento nos bancos escolares, após longos anos de conclusão da primeira graduação.
No primeiro dia de aula, tímido que sou, pensei em empregar a estratégia que usava no Segundo Grau: esconder-me no fundo da sala. Ao me deparar com a turma, vi que não teria como me camuflar ou como passar despercebido: de cerca de quarenta alunos, éramos, mais ou menos, eu, tiozão, e trinta e nove meninas muito parecidas com minha filha mais velha. Mudei, assim, de estratégia, passando a sentar na primeira fileira, frente à mesa da professora. A estratégia revelou-se vitoriosa e vem rendendo bons frutos até o presente momento.
E o que começou como brincadeira, passatempo sem maiores pretensões, foi aos poucos ganhando corpo, foi-se solidificando, ganhando ares e contornos de coisa séria, compromisso profissional. E cá estou, creio que no derradeiro semestre, em ritmo de Trabalho de Conclusão de Curso, já namorando a ideia de um mestrado.
Extravaso agora, excitado, meu amor à Literatura ─ que já conhecia da leitura de alguns clássicos sem, contudo, conhecer sua Teoria, igualmente apaixonante. E tem sido privilégio, orgulho e incontida alegria pertencer a essa importante Universidade ─ núcleo efervescente da ciência, da cultura e do saber ─ e conviver com seus valorosos e inesquecíveis mestres. Muitos e bons são os amigos que a rica experiência vem me proporcionando conquistar, especialmente entre os professores.
Falo em privilégio na certeza de que poucos são os brasileiros que dele desfrutam, ou melhor, pertencer ao mundo acadêmico, receber instrução de elevadíssima qualidade, estudando de graça em uma das principais universidades brasileiras. Grato sou a Deus, que me ilumina e fortalece, ao Estado, que me proporciona tal vivência e à Doutora Wanisa, que me apoia, pelo usufruto de tamanho privilégio, que procuro honrar dedicando-me com respeito, seriedade e afinco às aulas e aos estudos.
Hoje, porém, acompanho com tristeza e preocupação as últimas notícias pertinentes à Educação no Brasil: corte de verbas federais para pesquisas nas áreas das Humanas e corte de verbas federais para algumas das mais importantes universidades federais do País, dentre as quais a Universidade de Brasília.
Cortar verbas em Educação!??? Aqui no Brasil??? Delírio kafkiano, brincadeira de mau gosto, ensandecimento ou emburrecimento? Vamos lá, senhor Capitão! Tirai esse peso de meu coração! Em Educação não se cortam verbas, se aplicam. Notadamente no Brasil, País carente de Educação, em qualidade e em quantidade. Toda e qualquer verba que se destine a essa área é pouco para um país de tal dimensão, de tão grande população, de tamanhas carências e que se diz “país do futuro”, com pretensões a primeiro mundo. Claro que outras importantes áreas demandam recursos, mas sem Educação nada se faz, nada se conquista. Sem Educação comprometeremos negativamente a saúde, a segurança, os transportes, a qualidade de vida e a própria economia. Já dizia Aristóteles que “a educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces”. Na mesma linha Emmanuel Kant, para quem “o homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”. Vale lembrar, por fim, nosso Monteiro Lobato, segundo o qual “um país se faz com homens e livros”.
Curioso cortar recursos públicos e investimentos em matérias de Humanas. Sem desmerecer as Exatas e Biológicas, relevantes a qualquer nação que almeje à grandeza e à independência científica e tecnológica, são os profissionais e estudantes da Filosofia, da Sociologia, da História, da Ciência Política, do Direito, enfim, das Humanas exatamente aqueles que pensam as relações humanas e sociais, pensam as instituições políticas e jurídicas, pensam o Estado, pensam o Brasil, pensam o Mundo. Bolsonaro revela desconfiança e certa dose de temor daqueles que ousam pensar e que ousam opinar, discutir, questionar, dissentir.
Claro que no Curso temos professores filiados à esquerda, à visão marxista de mundo ─ talvez a maioria, eu arriscaria dizer. Alguns mais discretos e neutros, outros mais apaixonados e exaltados. No entanto, dizer que o discurso e proselitismo de alguns mestres influenciariam os alunos é subestimar a inteligência e a capacidade de opinião dos jovens. Os jovens não são ingênuos como supõe o Governo. Há alunos que professam a mesma visão de tais professores, mas não se converteram à esquerda na universidade: ali já ingressaram firmes em tais convicções. De minha parte, nunca me furtei de defender, em sala de aula, minhas convicções liberais, sem jamais sofrer qualquer reprimenda, retaliação ou perseguição de quem quer que fosse, e sem jamais violar as amizades que ali tenho feito. O fato é que, em regra, os professores, professem a ideologia que for, não costumam perder de foco a visão da academia como fórum de debates livres, troca de ideias e de informações. Sempre prevaleceu o respeito à opinião divergente, posso afirmar com a autoridade de quem lá está.
Dizem, então, para “filmarmos os professores que promovem pregações de esquerda”, em técnica de fiscalização e perseguição muito própria dos alcaguetes dos regimes totalitários. Em verdade, deveriam filmar os longos e cansativos anos de estudos de um professor universitário para atingir o exigido grau de excelência que ostentam, deveriam filmá-los preparando com amor as aulas que ministram, ou filmá-los ao final do mês contando os parcos caraminguás que percebem em seu honroso mister.
Fala-se em balbúrdia para perseguir universidades federais com cortes de verbas. Balbúrdia, sinônimo de algazarra, confusão, desordem, tumulto, ensina o Dicionário Aurélio. Mesmo apresentando índices elevados em rankings nacionais e internacionais, passa a UnB a padecer, por corte de verbas indispensáveis, tendo por arrimo a desairosa pecha de desordeira, bagunceira. Penso que balbúrdia é negar preciosos investimentos à Educação, balbúrdia é perseguir professores honestos, balbúrdia é eleger universidades como persona non grata ao regime. Tudo o que diminui, desprestigia e enfraquece a Educação é imoral balbúrdia.
Vamos lá senhor Capitão! O senhor por acaso nunca foi jovem? É da natureza do jovem o espírito contestador ─ da autoridade, em especial ─, desafiador, revolucionário. Georges Clemenceau, estadista francês, já dizia que “um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração e um homem que ainda seja socialista aos 40 não tem cabeça”. Universidade sem barulho, sem protestos, sem espírito jovem e sem paixão não tem coração, não tem alma, não tem vida. Apesar de contestadores, os jovens são honestos e francos em suas ideias, são expansivos, verdadeiros. Não envergam as máscaras próprias do homem de meia idade. Não simulam e nem dissimulam, como fazem os políticos muito bem descritos pelo Cardeal Mazarin. Gosto mais da companhia dos jovens que das pessoas de minha idade. Negar dinheiro à educação é tirar de muitos jovens a esperança em dias melhores e é impedir o Brasil de crescer, de se desenvolver cumprindo seu destino.
Como bom estrategista militar ─ o que não parece ser ─ Bolsonaro deveria saber que ideias não se combatem com truculência, com mão pesada, com ameaças e retaliações. Ideias se combatem, de maneira certeira e eficaz, com outras ideias.
Não morro de amores por Darcy Ribeiro. Atribuo a ele ─ e a Leonel Brizola ─ boa parcela de responsabilidade pelo golpe militar de 1964, que redundou em vinte anos de ditadura no Brasil. Mas me vejo forçado a admitir razão ao antropólogo por frase proferida em palestra, nos idos de 1982, mais atual que nunca: “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. A frase se ajusta como uma luva ao discurso do governo de priorizar o combate à criminalidade. Quer derrotar a criminalidade? Invista maciçamente em Educação, eis a resposta. Eduque nossos jovens, dando-lhes pleno acesso ao processo de aprendizagem. Em longo prazo os resultados aflorarão. Eduque hoje para não necessitar combater criminalidade amanhã. Dos países que já atingiram o desenvolvimento, não há nenhum que não tenha investido polpudos recursos em Educação de qualidade.
Ataques a veículos de imprensa e a jornalistas, política externa ideológica ─ no melhor estilo PT ─ e agora chicotadas aplicadas nos lombos da Educação. Em definitivo, há algo de podre no reino da Dinamarca.