22 de julho de 2019 | 03h00
A esta altura, está mais do que evidente que o presidente Jair Bolsonaro não sabe agir com a impessoalidade que há de caracterizar o exercício da Presidência da República. Em apenas 200 dias de governo, houve exemplos em excesso do peso que os afetos e as hostilidades particulares do presidente têm sobre decisões de Estado, que, a rigor, não deveriam ser pautadas pela emoção.
Desde que anunciou sua intenção de indicar um filho para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos – o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) –, não houve um só dia em que o presidente não tenha defendido, de alguma forma, o nome do “03” para um dos postos mais críticos de nossa diplomacia. Tivesse o olhar de um estadista, seria mais fácil para o presidente compreender o quão estapafúrdia é a escolha, por qualquer ângulo que se a analise. Porém, Jair Bolsonaro não vê sua escolha com olhos de estadista, mas com olhos de pai. E é como pai que reage às críticas.
Na quinta-feira, abrindo mão do pudor, Jair Bolsonaro voltou a defender o filho em termos ainda mais claros. “Pretendo beneficiar filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou, mas não tem nada a ver com filé mignon essa história (da embaixada nos Estados Unidos). É aprofundar relacionamento com a maior potência do mundo”, disse. Noves fora o pitoresco da declaração, saliente-se que ela revela duplamente o peso dos afetos nas decisões de Jair Bolsonaro. Em especial no que concerne às relações entre países, que devem ser pautadas por interesses, e não por supostas relações de amizade, como a que Bolsonaro supõe haver entre sua família e a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Dos mais relevantes temas para o País, como a indicação de um embaixador, às troças com autoridades, tudo parece ser tratado pelo presidente da República fora da dimensão da impessoalidade do cargo. Não se quer dizer com isso que o comportamento de Bolsonaro deva ser marcado pela frieza e pela sisudez. Roga-se apenas que ao tratar de assuntos de Estado o presidente faça um esforço para contrabalançar suas emoções com o interesse nacional. Ora coincidem, ora não. De Jair Bolsonaro, dado o cargo que ocupa, é esperado discernimento.
Nada parece escapar do crivo afetivo do presidente. Jair Bolsonaro é capaz de atacar ao mesmo tempo tanto prosaicas mudanças no funcionamento de aplicativos como o Instagram como o conteúdo dos filmes produzidos com recursos da Ancine. No primeiro caso, é tema do qual o presidente nem sequer deveria se ocupar. No segundo, sim, mas por razões de outra natureza, objetiva. Afinal, trata-se do emprego de recursos públicos, e não de seu gosto por esta ou aquela produção.
A preponderância dos afetos sobre a razão obnubila a visão que o presidente deve ter do papel das instituições.
Há cerca de três meses, Jair Bolsonaro afirmou que “não nasceu para ser presidente”. Se não nasceu para o cargo, é verdade que optou por exercê-lo. E foi vitorioso no intento. É justo que os brasileiros, então, esperem que a investidura na Presidência sirva de aprendizado diário, caso Jair Bolsonaro tenha a humildade de tomar as críticas pelo que elas são – críticas objetivas, e não ofensas à sua honra, à sua dignidade.