01 de julho de 2019 | 03h00
Este jornal, como reiterado no editorial A serventia da imprensa, publicado ontem, não renunciará jamais a seu papel de crítico de governos que se desviam dos princípios da boa administração e desrespeitam as instituições democráticas. Para o Estado, não há argumento que justifique qualquer complacência com chefes de governo cujas decisões agridam o bom senso – sem falar das leis – e causem prejuízos ao País. Não se espere, portanto, que o Estado venha a contrariar seu histórico compromisso com os valores liberais, republicanos e democráticos e, em nome de sabe-se lá quais imperativos ideológicos e moralistas, condescenda com governos que afrontem tudo o que é mais caro a uma sociedade que se pretende civilizada.
Quando um governo comete agressões sistemáticas à Constituição, que o presidente da República jura respeitar quando toma posse, deve-se deixar claro que se trata de uma atitude inaceitável. A qualidade da democracia sofre considerável degradação quando um presidente, por exemplo, se julga no direito de editar medidas provisórias e decretos que desrespeitam de maneira cristalina diversos dispositivos constitucionais. Ademais, tal atitude inconsequente tende a causar natural reação dos demais Poderes, com vista a restabelecer a normalidade institucional ferida pelo voluntarismo presidencial, e isso consome precioso tempo e esforço de autoridades que deveriam estar totalmente dedicadas a resolver os gravíssimos problemas nacionais.
Também não se pode silenciar diante da tentativa sistemática de desmoralizar a política e o Congresso, pilares da democracia representativa, com o indisfarçável intuito de governar por decreto, dispensando-se a negociação democrática. É certo que os políticos colaboraram para a deterioração da imagem de sua atividade, depois que vários deles, muitos em posição de destaque, entregaram-se à mais desbragada corrupção nos últimos anos. Mas nada disso justifica a presunção de que basta estar do “lado certo” – isto é, o do Executivo, suposto campeão da pureza de propósitos contra os vilões corruptos – para que sua vontade seja convertida em lei.
Além disso, não se pode fechar os olhos quando a necessária impessoalidade no exercício do poder, demanda de qualquer democracia digna do nome, perde espaço para as relações familiares e de amizade, tornando as decisões emanadas desse núcleo tão imprevisíveis como desastradas. Esses obscuros critérios de governança acabam por permitir que o governo seja tomado por tipos exóticos e aduladores ansiosos para dar sentido a decisões destrambelhadas e desimportantes, tomadas ao sabor de conveniências inalcançáveis para os cidadãos.
Enquanto isso, a tramitação de reformas cruciais, como a da Previdência – que poderia estar mais adiantada se o governo tivesse aproveitado o projeto que estava em tramitação –, ressente-se da ausência de um norte político, em meio a questiúnculas ideológicas. Não fosse sua resistência a tudo o que lhe antecedeu, o atual governo também poderia ter aproveitado projetos deixados pela gestão anterior para estimular a retomada do crescimento. Não o fez porque está mais empenhado em fazer tábula rasa do passado – e assim fazer-se notar por suas virtudes messiânicas.
Isso resulta da percepção equivocada de que a maioria do eleitorado queria uma liderança que livrasse o País do “comunismo”, luta exótica em nome da qual parece valer tudo. Na verdade, os eleitores manifestaram nas urnas um sonoro protesto contra a politicagem que condenou muitos brasileiros à miséria e o País ao atraso crônico, de modo que resta ao governo trabalhar para reverter esse quadro, em vez de agravá-lo com bravatas, confusões e ilegalidades. Disso, afinal, depende a estabilidade do País.