31 de julho de 2019 | 03h00
O destampatório de Jair Bolsonaro nos últimos dias – especialmente virulento mesmo para os padrões do presidente – contribui para ampliar o seu isolamento político. Afinal, grande parte do eleitorado que sufragou o nome de Bolsonaro nas urnas no ano passado não o fez para que ele, uma vez na Presidência, passasse seus dias a alimentar violentos antagonismos com diversos setores da sociedade, dificultando consideravelmente a governabilidade. Mesmo entre os políticos que se elegeram na onda do bolsonarismo já há os que procuram manter uma distância prudente do presidente, pois temem ser identificados com a irresponsabilidade que tem caracterizado o comportamento de Bolsonaro.
Não à toa, as forças políticas no Congresso há algum tempo parecem se organizar para fazer avançar as reformas das quais o Brasil depende para evitar o colapso fiscal e ter alguma chance de retomar o crescimento econômico. Para o setor produtivo, o mais importante no momento é que o País reencontre o caminho da recuperação, colocando em segundo plano o destempero do presidente Bolsonaro, por mais infame que seja em algumas ocasiões.
Em mais de uma ocasião, Bolsonaro agiu como se sua vontade pessoal fosse superior à Constituição, assinando decretos e medidas provisórias eivadas de ilegalidades. O presidente parece considerar que sua eleição transformou automaticamente em lei suas promessas de campanha e seus arroubos retóricos, bastando somente traduzi-los em linguagem jurídica.
Os bolsonaristas mais radicais, contudo, acreditam que Bolsonaro foi eleito justamente para questionar os pilares do sistema democrático, que para eles está inteiramente corrompido. Nessa campanha de saneamento nacional vale tudo, inclusive fraudar o passado, como fez recentemente o presidente ao atribuir a morte de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, um dissidente do regime militar, ao grupo de esquerda do qual ele fazia parte, embora o próprio Estado brasileiro admita, em documentos oficiais, que esse dissidente desapareceu depois de ter sido preso pela polícia política.
Para Bolsonaro, contudo, esses documentos são, simplesmente, “balela”. O presidente segue assim o padrão de duvidar de tudo o que contraria sua visão de mundo, mesmo que tenha sido produzido por autoridades de dentro de seu próprio governo ou por especialistas sem qualquer vinculação partidária.
Assim, o presidente Bolsonaro tenta usar sua autoridade de chefe de Estado para transformar em letra morta a base factual da história brasileira, o que tornaria legítima qualquer opinião acerca do passado, mesmo as mais estapafúrdias e aquelas que se prestam a alimentar laivos liberticidas. Esse lamentável episódio não foi apenas um ataque isolado à memória de um dissidente político, mas uma demonstração cabal de que Bolsonaro não se sente constrangido por nenhuma das normas de convivência democrática. Um governo com esse espírito, que não respeita o passado, não anuncia um bom futuro.