E QUE SE PONHA A ROUPA DO VENTO
Fabrício Carpinejar
O jogo é inventar a goleira
mais do que a bola.
Garagens são traves,
lápides são traves,
cercas são traves,
chinelos são traves.
O que pode ser levado
com uma mão,
adivinhado pelas pernas.
Postes de luz são traves,
placas são traves,
lixeiras são traves,
bancos são traves.
Marcar o chão numa linha imaginária,
daqui pra ali é o campo.
E o mundo não existe mais
fora do giz branco.
Um quarto está pronto a céu aberto.
Um quintal no meio da casa.
Uma rua cortando a praça.
Corra no jardim sonâmbulo,
pise a grama com raiva, raízes
são cadarços amarrados
nos tornozelos das árvores.
Há coices, quedas, uivos:
nada termina a vida,
essa explosão suspirada.
É um transe, a trave;
trânsito parado, feriado.
O defensor descansa
na tranca dos joelhos.
O pássaro voa de cabeça a cabeça,
descasca a chuva, espalha os cabelos.
A trave é montinho, formigueiro,
capuz de ciscos, ninhos.
Formigas transportam alimento
por dentro dos seus riscos.
Que seja capacete de moto,
um tijolo, um toco,
qualquer troco de mato e entulho.
Dez passos ao lado e uma altura infinita,
fazer endereço para receber cartas,
desenhar gol de letra.
Trave é o quadro-negro dos pés.
Caroço de brilho, queimadura de cometa.
Na praia, no calçadão, no descampado.
Tudo o que foi costurado pelo invisível
entre o corpo e uma porta.
Pedras são traves,
bambus são traves,
frutas são traves.
Até crianças são traves
para o adulto passar
de volta à infância.
Adorei a metáfora "...raízes são cadarços amarrados no tronco das árvores..."