E POR FALAR EM REFORMA POLÍTICA...
A. C. DIB
Lugar-comum na vida pública brasileira é apelar para “reforma política” sempre que alguma crise aflora no cenário político nacional.
Nos dias presentes, frente à maior crise ética de nossa história, fruto do mais escabroso caso de corrupção já perpetrado e constatado em nossos quinhentos anos de existência, não poderia ser diferente. Eclode, uma vez mais, a salvadora proposta de reforma política, panaceia redentora, solução para a tempestade que assola a judiada Pátria.
Antes de reformar nossas instituições políticas, a reforma premente e – genuinamente – procedente é a do caráter – ou, mau caráter – dos “estadistas” que gerenciam presentemente o País e dos que votam suas leis.
Claro está que os atuais mandatários – boa parte dos quais comprometidos até a medula óssea com o escândalo de corrupção ora combatido pela Lava-Jato – resistirão até as últimas consequências a qualquer proposta moralizadora ou renovadora.
Exemplo disso – patente e paradigmático – deu a Câmara dos Deputados, há bem pouco tempo, ao desfigurar o Projeto de Lei de Iniciativa Popular de combate à corrupção. A “Casa do Povo”, curiosa e estarrecedoramente, ao invés de aprovar os imprescindíveis artigos do projeto, que firmemente afrontavam e puniam – com rigor – a danosa prática, terminou por inserir no projeto dispositivos que – é de vomitar! – punem exatamente aos que dão combate à corrupção e aos corruptos: magistrados e membros do Ministério Público. Astutas raposas, Suas Excelências terminaram por converter o combate à corrupção em blindagem, garantia e proteção aos corruptos tupiniquins.
Agora – incansáveis e imaginativos – propõem, a título de “reforma política”, aprovar sistema eleitoral proporcional pelo chamado processo de listas fechadas. Assim, na eleição de deputados federais, estaduais, distritais e de vereadores, aos eleitores restaria a opção de votar nos partidos políticos. Os partidos mais votados enviariam às câmaras e assembleias, na condição de “eleitos”, os integrantes de suas listas de candidatos. Dispensável registrar que encabeçariam tais listas aqueles mesmos velhos caciques de sempre. A esperada e imprescindível renovação política de nossas casas legislativas converter-se-ia em sonho distante e em doce ilusão.
Propostas verdadeiramente sérias, motivadoras de renovação e de aprimoramento de nossas instituições político/democráticas são: o voto distrital, o fortalecimento dos critérios de fidelidade partidária e o recall.
O sistema eleitoral proporcional, mais triste legado e equívoco produzido pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88, desgraçadamente inserido na Carta de 1988 – salvo melhor juízo, pelo Senador/Coronel Jarbas Passarinho −, tem como resultado ensejar a ingovernabilidade, frente ao elevadíssimo número de partidos políticos que ganham vida pelo malfadado sistema. Partidos sem fim, a configurar sopa de letras de siglas inesgotáveis. Se já é difícil governar com poucos, tarefa hercúlea é a de governar com duzentos partidos, o que impõe ao governante malabarismos, acrobacias e um emaranhado de acordos canhestros e cavilosos, para formar a indispensável “base de apoio” ou “base aliada”. Em sentido contrário, tem o sistema eleitoral distrital, primeiramente, o asséptico efeito de reduzir o número de partidos aos poucos que, verdadeiramente, possuem peso, voz e representatividade, promovendo, então, a indispensável estabilidade para governar. Ademais, acaba com o complexo cálculo do quociente eleitoral – termina eleito o candidato mais votado em seu distrito – e aproxima eleitor e eleito, de forma que o eleitor passa a identificar aquele representante em quem votou, podendo vigiar sua atuação, além de acessá-lo e pressioná-lo com maior eficácia.
Corroborando o modelo eleitoral distrital, seria devido fortalecer o princípio da fidelidade partidária. Deveras, o modelo proporcional faculta a criação de legendas de aluguel, partidos sem representatividade e sem nenhum colorido ideológico, meros veículos eleitorais de políticos mal-intencionados e de caciques ladinos. Terminam, a seguir, depois de eleitos, “trocando de partido como quem troca de camisa” – diz a sabedoria popular −, assim que lhes aperte o calo. Ao cidadão, que elegeu seu deputado esperando ver aplicadas as ideias e propostas de seu partido, resta o amargo sabor de malogro na boca. Na moderna democracia representativa a escolha recai sobre programas, projetos e propostas político/ideológicas – marcas e marcos dos partidos políticos −, não sobre líderes messiânicos e salvadores da pátria. O mandato dos eleitos, portanto, pertence aos partidos pelos quais se elegeram, sem, contudo, desconsiderar o fato de que o eleitor merece conhecer seu candidato, saber em quem está votando. Ao deixar o partido, o mandatário seria, consequentemente, obrigado a deixar, também, a cadeira ocupada em sua casa legislativa. Os partidos, então, contariam, em cada distrito eleitoral, com candidatos disposto a defender seu programa, além da defesa − óbvia – dos interesses dos eleitores do distrito. Deveriam, em conclusão, fidelidade ao partido pelo qual se elegeram. De igual forma, os partidos deveriam guardar irrestrita fidelidade e compromisso para com seu programa e às propostas assumidas em campanha.
Temos, por fim, o recall como elemento modernizador de nossa jovem democracia. Recall político é o poder de cassar ou revogar o mandato do representante político, por parte do eleitorado; significa “chamar de volta” um mandatário ímprobo, incompetente ou de atuação contrária à vontade popular.
No Brasil Império, entre os anos de 1822 e 1823, o Decreto de 16 de fevereiro de 1822, que instituía o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil, fixava, em seu preâmbulo, que: “...os quaes Procuradores Geraes poderão ser removidos de seus cargos pelas suas respectivas Províncias, no caso de não desempenharem devidamente suas obrigações, si assim o requererem os dous terços das suas Camaras em vereação geral e extraordinária, procedendo-se à nomeação de outros em seu logar”. Tal decreto, então, estabelecia a possibilidade de destituição dos eleitos, por iniciativa dos eleitores, caso não cumprissem suas obrigações.
Na República Velha, alguns estados da Federação, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e São Paulo adotaram, em suas constituições, o voto destituinte.
Na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88, o tema da revogação do mandato eletivo foi proposto e debatido, com a denominação de “voto destituinte”, restando, lamentavelmente, rejeitado pelos senhores Constituintes.
Cuidando, pois, de reforma política, com a seriedade e o respeito que o momento exige, ficam lançadas ao debate as propostas de sistema eleitoral distrital, criteriosa fidelidade partidária e do recall político, inovações moralizadoras e de indiscutível autenticidade democrática, favoráveis aos soberanos interesses do povo brasileiro, já tão maculados e vilipendiados.