"A personalidade mais importante do teatro brasileiro do século 20". É assim que Fernanda Montenegro costuma descrever Dulcina de Moraes, uma das grandes damas do teatro nacional. Responsável por revolucionar o mundo das artes cênicas no país, Dulcina, morta há quase 30 anos, ainda vive por meio de seu legado, imortalizado no Teatro Dulcina de Moraes, localizado no Conic. Dentro do prédio que abriga a instituição, a herança deixada pela carioca se estende em um acervo inestimável que reconta a história da cultura brasileira.
Para além das artes cênicas, Dulcina era referência na moda e ditava tendências com os figurinos utilizados em suas peças. Nos guarda-roupas do teatro, encontram-se peças de algumas das marcas de luxo mais famosas do mundo, como Dior, feitas especialmente para a dama do teatro. Os vestuários são registrados com nome de Dulcina, datados da década de 1950, período em que o próprio estilista Christian Dior fazia peças exclusivas.
A professora de teatro Gabriela Pedron, formada pela Faculdade Dulcina de Moraes, chegou a fazer uma visita ao acervo durante a disciplina de Indumentário e Caracterização, em 2009, mas garante que só no ano passado, com o início do processo de inventariação, entendeu a imensidão da herança deixada pela atriz carioca. "Acho que ninguém tinha noção da quantidade de preciosidades que tinham nesse acervo", conta a professora de teatro. "Não são só figurinos, textos, fotos. É a história do teatro. Você vê uma roupa e você tem toda uma referência histórica de como era naquele período", exemplifica.
Fundador do Teatro Caleidoscópio e aluno de Dulcina, André Amahro ressalta o valor do acervo da atriz. "Dulcina de Moraes foi considerada a maior personalidade das artes cênicas do século 20. É uma mulher que construiu grande parte do teatro desenvolvido no Brasil, então as peças que ela fez e esse material físico, esse patrimônio simbólico e objetivo que ela nos deixou é muito importante para a história do país. O Brasil também se conta por meio das artes, do teatro. Esses objetos, documentos, figurinos têm muita história para contar sobre o teatro brasileiro", opina.
Segundo Gilberto Rios, atual presidente da Fundação Brasileira de Teatro (FBT), responsável pela gestão do teatro e da faculdade, o lançamento de um museu virtual deve ocorrer até meados de agosto, após a finalização do inventário. "No ano passado, chegamos a catalogar 80% do acervo, deixá-lo bem armazenado no ar-condicionado. Nós iremos dar continuidade a esse processo este ano, haja vista aprovamos uma lei Paulo Gustavo para dar continuidade. O projeto será coordenado pelo museólogo Márcio Vianna, aposentado do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e ele dará uma total cobertura para nós nesse sentido", detalha.
Em setembro de 2023, o prédio que abriga o teatro e a faculdade, projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, correu risco de ser colocado em leilão, devido a uma dívida milionária. "O leilão foi postergado. Ainda existe uma dívida somatória beirando os R$ 30 milhões, que nós herdamos dos administradores anteriores do teatro. Agora, estamos no compasso da negociação dessas dívidas", garante o presidente da FBT.
De acordo com Gilberto, a instituição, atualmente, está em processo de negociação com um mecenas. "Os próximos passos são bem promissores. Estamos negociando com um mecenas de São Paulo e, nesta semana, avançamos muito. Acredito que, nos próximos 15, 20 dias, a sociedade brasileira deve ter alguma novidade em relação a esse mecenas, que é uma grande empresa de São Paulo", promete. "Em 30, estourando 45 dias, devemos ter uma solução definitiva para a FBT", estima o responsável.
Em nota, o secretário de Cultura do Distrito Federal, Cláudio Abrantes, assegurou que a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec) vem participando ativamente dos desdobramentos em relação ao acervo do Teatro Dulcina. "Tanto o Teatro Dulcina de Moraes quanto os acervos Fotográfico, Textual e Cênico da atriz são tombados através do Decreto nº 28.518 de 07/12/2007. No seu parágrafo único, o decreto informa que qualquer intervenção precisa ser aprovada pela Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal/Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico — DEPHA (hoje chamada de Subsecretaria do Patrimônio Cultural). Portanto, acompanhamos com atenção o desenrolar dos processos judiciais em que a Fundação Brasileira de Teatro e o próprio Teatro Dulcina são partes interessadas", declarou.