Carlos Graieb
Há uma semana, o médico-celebridade Drauzio Varella teve sua candidatura à presidência lançada informalmente por gente que se emocionou com a entrevista que ele fez com uma transsexual em uma penitenciária. A reportagem falava da situação dessa minoria nas carceragens. A compaixão e a empatia demonstradas por Varella diante de Suzy, que além de amargar o isolamento na prisão por ser trans, há muito não recebe visitas de familiares, foram vistas como sentimentos de estadista.
Agora veio à tona que Suzy está na cadeia por ter estrangulado um menino de 9 anos. Aparentemente, ela já havia estuprado outras crianças antes do assassinato. Varella passou a ser questionado — e atacado, mesmo — por não ter mencionado o crime de Suzy na reportagem. E por não ter demonstrado a mesma compaixão em relação ao menino morto e seus parentes.
Varella divulgou uma nota para se justificar, dizendo que é médico, não juiz: “Há mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em que pratico a Medicina, seja no meu consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios.”
Não tenho nada a objetar quanto à primeira parte do raciocínio de Varella. O trabalho como médico o obriga a tratar quem quer que seja, e ele acha mais fácil realizar esse trabalho sem saber muito a respeito de seus pacientes. Diria, aliás, que esse é o comportamento padrão entre os médicos. Todos adotam uma certa distância a respeito daqueles que atendem, sejam boas ou más pessoas. Envolver-se profundamente com o drama de cada doente provavelmente tornaria o exercício da profissão impossível a longo prazo.
Já quanto ao trabalho de Varella como jornalista e comunicador, não poderia estar mais em desacordo. A história do entrevistado é absolutamente relevante, ainda mais em uma reportagem que pretende defender uma tese sobre as agruras dos transsexuais na prisão. Ainda mais em uma reportagem em que tudo, da iluminação dramática ao abraço final entre Suzy e Varella, procura despertar a simpatia do espectador. Se quisermos ser contundentes: onde tudo colabora para manipular quem assiste.
O resultado da reportagem não teria sido igual se ela ao menos sugerisse que a família deixou de visitar a presidiária não porque ela mudou de sexo, mas porque ela matou uma criança e estuprou outras. Seria impossível de conquistar a simpatia do espectador. Mesmo os transsexuais não podem considerar positivo ver sua condição simbolizada por alguém cuja história é marcada por um infanticídio. Poucos porta-vozes seriam piores.
Do ponto de vista jornalístico, a reportagem foi um erro grotesco. Mas creio que ela representa algo mais: a arrogância de uma certa casta de “progessistas”, que os leva à cegueira e à auto-complacência.
A displicência com que o médico-comunicador escolheu a personagem da sua entrevista é tipica de quem não tem dúvida que está do lado certo da história. Minhas intenções são puras, eu quero o bem dos desvalidos. O que pode dar errado?
Deu errado, e a resposta esperada não tardou. As redes sociais estão cheias de mensagens dizendo que, mais uma vez, o pessoal do politicamente correto mostrou o seu desprezo pelas pessoas comuns para ficar do lado do criminoso.
Na semana passada, enquanto as redes lançavam Drauzio Varella à presidência, ele mesmo disse que isso nunca lhe passou, nem passa pela cabeça. Faz bem. Não teria a menor chance de dar certo.