DOUTOR NORBERTO SERÓDIO BOEFHAT
Dalma Nascimento
Vida e Morte, duas parceiras ao mesmo tempo em mim.
Enquanto Eliana Bueno-Ribeiro expunha, com a exuberância de Eros, na ABL uma interpretação tão singular e inovadora sobre a obra da grande Lygia Fagundes Telles, Tânatos se apossara de mim, ao receber a fatídica noticia da partida do grande amigo e humanitário médico, há décadas da família Dr. NORBERTO SERÓDIO BOECHAT.
Sensível e grande escritor com oito livros publicados e todos com autêntico valor, tanto que de sua obra fiz mais de dois prefácios, ele era membro do PEN Clube, fato que o deixara feliz, mas bem pouco frequentou para dar o máximo à sua clínica geriátrica.
A qualquer hora do dia ou da noite ele atendia a todos com especial carinho e conforme o caso , conhecedor que era do histórico de seu paciente, ele receitava pelo telefone. Comigo então, nem se fala. Quantas e quantas vezes tirei o sono. E ele paciente ouvia...
Vim a conhecê-lo ao tratar de meu marido, que tendo fraturado e operado o fêmur, complicações advieram peculiares à idade. Carecia de um geriatra. E o mais reconhecido na cidade e redondezas Dr Noberto Seródio Boechat foi o escolhido, um ás na clínica, membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Ele e Braz, ambos médicos, se deram muito bem, sobretudo pelo pensamentos filosóficos, as perscrutações metafísicas sobre a existência. Similares eram também as lembranças fazendeiras da v ida de cada um – Dr. Norberto de Pirapetinga de Bom Jesus e Braz na região de Dr. Matos em Campos dos Goitacazes. E como tinham experiências da“roça’’ para juntos eles contarem.
Lembravam-se dos folguedos da infância vividos na liberdade do campo. Da agradável convivência com os animais. Das águas puras dos regatos para o banho com os amiguinhos, filhos dos colonos. Da amorosa convivência com a terra. Da estuante visão do verde das florestas e do colorido das montanhas ao cair da tarde e como lhes era extasiante contemplar o estrelado céu em noite de lua cheia.
Ambos saíram das terras nativas, mas trouxeram-nas sempre presentes na memória. a ponto de Dr. Norberto ser enterrado em Pirapetinga, sua terra natal. Sua vida é para ser transformada em livro e era o que eu fizera antes de ele partir. Um domingo antes do infausto ele veio a nossa casa lanchar comigo.
Ele ainda andando com dificuldade,, ao restabelecer-se de uma perigosa operação de coluna, eu em ato solene, entreguei-lhe o roteiro e as páginas prontas do livro, por mim escrito intitulado NORBERTO BOECHAT, O Arconte de Pirapetinga.
Ele ficou felicíssimo. Foi um momento de despedida e o livro agora já está na gráfica.
• Por ser ele dono do dom de cultuar memórias, a ponto de ter criado um museu dos antigos pertences da antiga Pirapetinga Dr, Norberto lembrava-me um arconte. aquele dignitário da antiga Grécia, respeitado pela comunidade, preservador e intérprete dos documentos e das leis da polis. Como fora em Niterói o nosso amado Pimentel.
Arconte tem a mesma raiz de arqueologia, de arquivo, de arcano e de arqueiro. De fato, Norberto Boechat, o verdadeiro Arconte de Pirapetinga, é o arquivo vivo da cidade. Na efervescência das coisas, lá estava ele na arkhé, nos fundamentos dos fatos, para reconstruir os laços espatifados da memória coletiva. Submergia nos arcanos da tradição e de lá retorna iluminado.
E, com mestria de um arqueiro, o Arconte Boechat lançava o arco da aliança do passado cultural às gerações futuras. Seu ponto máximo foi, sem dúvida, o lançamento de sua obra Vertentes de Pirapetinga de Bom Jesus e outras histórias, verdadeiro ápice da memória do seu município.
Merecidamente, seu nome deverá figurar em uma grande rua ou avenida de sua terra natal. E por intermédio de meu livro, vocês conhecerão a figura exemplar do humanitário médico e grande escritor escondido da falácia da fama literária DR, NORBERTO SERÓDIO BOECHAT.