Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

DIB quarta, 16 de novembro de 2016

DOM FANCISCO

DOM FRANCISCO

A. C. DIB

 

 

                        Coisa de cristão-novo. Fugindo do Velho Mundo, notadamente, das perseguições religiosas, judeus, convertidos ‒ na marra ‒ ao cristianismo, aportavam na acolhedora e segura costa brasileira, e abandonavam seus velhos e tradicionais nomes hebraicos, adotando nomes ‒ um pouco mais vulgares ‒ de animais e plantas. Daí os Leitões, Carneiros, Pintos, Oliveiras, Baratas, Leões, Coelhos, Pereiras e tantos outros mais, que pululam em nossa fauna e flora social. Não sei dizer se era este o caso de Francisco Rolla.

 

                        Conheci Francisco por intermédio de meus tios maternos, Calixto e Salim. Tal como meus tios, Francisco era um apaixonado por pescarias. Goianão, bonachão, boa prosa e muito espirituoso, grande, corpulento e claro, simples e de aspecto interiorano, mas muito antenado, Francisco era, para meus tios, bom amigo e companheiro de pescarias. Frequentou, por algum tempo, a casa de minha avó, na companhia de sua mulher, Dona Alzira, e de suas simpáticas filhas.

 

                        Certa feita, fui convidado a acompanhar meus tios em uma daquelas memoráveis pescarias. Não comungava do prazer que sentiam em dar banho na minhoca ‒ conforme diziam ‒, mas me via atraído pela expectativa de viver aventuras, além de amar o convívio íntimo com nossa rica natureza. Rumei, então, juntamente com meu pai, meus tios e meu primo Sérgio, para a esperada aventura pesqueira, não sem antes fazer-me acompanhar de boa leitura: como não sou de perder tempo, levei comigo A Descoberta da América Pelos Turcos, do imortal Jorge Amado.

 

                        Seguimos, então, para Cabeceiras de Goiás, minúsculo município goiano, próximo a Formosa. Ali, Tio Salim ‒ que cultivava, além do amor à pescaria, sérias pretensões políticas ‒, comprou um lote, construindo nele boa casa de alvenaria, próxima a caudaloso rio. Autêntico Clube do Bolinha, éramos, ao todo, sete cavalheiros, incluindo, aí, o indispensável Francisco Rolla.

 

                        Após um ou dois dias, ali passados, fomos visitados pelo vizinho, da casa ao lado da nossa. Dito vizinho ‒ a situação se fazia evidente ‒ também pertencia a um homogêneo grupo masculino de pescadores-de-fim-de-semana. Ruidosos os companheiros, eis que ouviam músicas sertanejas em volume máximo, acompanhadas de gargalhadas, de espalhafatosa conversação e de muita cerveja e cachaça.

 

                        O forasteiro bateu, sendo calorosamente acolhido. Era um homem de meia-idade, magricela, senhor de fartos bigodes muito bem cuidados, articulado, extrovertido e falastrão. Contou-nos, animadamente, fatos notáveis de suas pescarias, e de suas aventuras sexuais ‒ sempre relacionadas às proveitosas pescarias ‒, fazendo acompanhar as divertidas histórias, do respectivo gestual.

 

                        Antes, porém, ao adentrar o recinto, se deparou com o corpanzil de Francisco, que o recebeu, estendendo-lhe a calejada mão. O visitante, sem titubear, apertou, com honestidade, a mão de Francisco, dizendo:

 

                        ‒ Muito prazer! José Gallo! Gallo com dois éles ‒ falou, em tom professoral, e com o indicador da outra mão apontando para cima. ‒ Segundo pesquisa que, há muito, me dei ao trabalho de promover, meu Gallo nada tem a ver com a ave, o galináceo. Gallo é um nome de origem britânica, que significa tempestade, ventania.

 

                        Francisco, sacudindo lentamente, e apertando com força, a mão do convidado, respondeu:

 

                        ‒ O prazer é meu! Francisco Rolla! Rolla com dois éles! Segundo pesquisa que, há muito, me dei ao trabalho de promover, minha Rolla tem tudo a ver com a ave, a pomba. Rolla é um nome de origem portuguesa, que se refere a numerosas espécies de aves da família dos columbídeos, semelhantes aos pombos, porém menores.

                        ‒ Vá tomar banho! ‒ disse, de chofre, José Gallo, puxando a mão que apertava à de Francisco, e fazendo, com a outra mão, gesto indicando, ao interlocutor, a ação de ir, de seguir adiante.

 

                        Francisco, num só impulso, enfiou a mão no bolso, e sacou a carteira de identidade, exibindo, e apontando com o dedo, o nome ali grafado.

 

                        José Gallo, tomando a carteira em suas mãos, aproximou-a do rosto, mirando-a clinicamente. Depois, devolvendo o documento a Francisco, falou, embasbacado:

                        ‒ Cacete! Mas que baita coincidência!

 

                        Passados já vários anos ‒ há muito, não tenho notícias do amigo Chico Rolla ‒, nunca olvidei a hilária passagem.


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