Quem entra na Galeria Castelinho, na Rua Gomes Carneiro, entre Ipanema e Copacabana, na Zona Sul do Rio, e atravessa a portinha de uma de suas pequeninas lojas acaba mergulhando em um verdadeiro túnel do tempo. As muitas estantes que formam corredores estreitos no interior do estabelecimento acomodam 25 mil DVDs de filmes identificados por gêneros e diretores.
É um negócio movido a nostalgia, com muita dedicação e amor à Sétima Arte, por parte do proprietário José Carlos Alves Menezes, de 61 anos, que em 1992 abandonou o emprego na área de informática em uma empresa de engenharia para comandar o negócio aberto cinco anos antes por dois irmãos dele. Na época, vivia-se ainda a febre dos videocassetes, e alugar suas fitas era um programa familiar. A substituição pelos DVDs veio no começo dos anos 2000. Pouco mais de dez anos depois, a oferta de filmes pelo streaming fez a demanda pelas locadoras cair vertiginosamente, provocando o fechamento desses estabelecimentos.
Metade sebo
Hoje, a locadora explora um nicho, oferecendo a seus clientes títulos que não se encontra facilmente no streaming. São filmes de cineastas como Ingmar Bergman, Pier Paolo Pasolini e Luis Buñuel, ou então obras produzidas por diretores de países como Irã, Uruguai e Vietnã. A clientela é composta basicamente por idosos, estudantes de cinema e cinéfilos.
A locadora que, nos tempos de glória, alugava mais de quatro mil filmes por mês, atualmente vê deixar suas prateleiras no mesmo período pouco mais de 400. O cenário só não é mais desfavorável por causa da fidelidade de clientes como a figurinista Maria Lúcia Areal, a Lulu, de 72 anos, moradora de Ipanema. Ela contou que descobriu o estabelecimento de José Carlos há cerca de dez anos, quando a locadora que frequentava, na Praça General Osório, sucumbiu aos novos tempos e fechou as portas. Nunca mais abandonou a nova loja e se tornou amiga do dono.
— Ele tem um acervo deslumbrante. Muita coisa que você não encontra por aí, nem no streaming, onde só colocam os títulos mais importantes de determinados cineastas e atores. Na locadora do José Carlos, você tem a obra completa desses artistas, incluindo os títulos mais obscuros. Se um dia a loja fechar, vai ser uma perda irreparável — diz a cliente, que ainda tem em casa dois aparelhos para reprodução de DVDs, e cujo último filme alugado, na semana passada, foi “Retorno a Howard’s End”, dirigido em 1992 por James Ivory e estrelado por Anthony Hopkins.
Na contramão desse público está o estudante Samuel Valadares, de 21 anos. Frequentador da locadora dos 10 aos 15, quando o ramo já havia entrado em decadência, aos 16, com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça — como nos tempos do Cinema Novo — , começou a filmar a saga de José Carlos, que resultou no filme “Storm Vídeo”, disponível na Globoplay desde dezembro de 2021.
— Minha ideia não era contar a história da locadora, mas mostrar a relação de José Carlos com a loja, os clientes e com um funcionário que foi demitido e voltava lá todos os dias, além de abordar a forma como ele lidava com esse comércio que estava morrendo — contou o rapaz, quehoje é estudante de direção teatral na UFRJ.
Para garantir a sobrevida do seu negócio, José Carlos resolveu diversificar as atividades e, hoje, metade da loja virou um sebo. Mas ele assegura que boa parte da renda ainda vem do aluguel e venda de DVDs. O faturamento, segundo garante, é (quase sempre) suficiente para bancar o negócio.
— Sei que o ramo está com os dias contados. Mas pode ser que tenha uma reviravolta, como aconteceu com os vinis — sonha.
Outro “herói da resistência” no ramo das locadoras foi a Cavideo, que sucumbiu durante a pandemia, quando fechou a loja na Cobal do Humaitá. Com o acervo de mais de 27 mil títulos de filmes e 20 mil livros de cinema acumulados ao longo de 30 anos, o dono, Cavi Borges, fechou parceria com a prefeitura do Rio, que cedeu gratuitamente um espaço nas Casas Casadas, em Laranjeiras, onde instalou o Espaço Cultural Cavídeo. Lá os filmes não são mais alugados e sim emprestados.