Livro aborda desperdício de dinheiro público dentro do Exército Brasileiro
Escrito pelo coronel de artilharia da reserva e advogado Rubens Pierrotti Jr., "Diários da Caserna: Dossiê Smart - a história que o exército quer riscar" denuncia como generais deram um prejuízo de mais de R$ 100 milhões ao Brasil
Em tempos de Reforma Tributária, quando o Governo tenta simplificar a cobrança de tributos no país e arrecadar mais, um tema merece a atenção e debate: o mau uso e desperdício de recursos públicos. Sem eufemismos ou meias-palavras, a farra com o dinheiro público, infelizmente, ainda é prática comum no país, mormente, mas não exclusivamente, entre políticos brasileiros. Entra ano, sai ano, somos assombrados com casos de uso indevido de recursos financeiros pagos pelo contribuinte. Um exemplo de emprego escuso do dinheiro público é o gasto desenfreado com cartão corporativo, privilégio concedido a pessoas que ocupam postos-chave da gestão pública para cobrir despesas urgentes de produtos ou serviços, que, por sua natureza, dispensam processo licitatório. O ex-vice-presidente da República Hamilton Mourão, por exemplo, despendeu, durante os quatro anos que esteve no cargo, R$ 3,8 milhões no cartão corporativo, para cobrir despesas que, a priori, deveriam incluir a compra de um lanche em um restaurante de beira de estrada.
Em seu livro “Diários da Caserna – Dossiê Smart: a história que o exército quer riscar”, lançado recentemente pela Editora Labrador, o coronel de artilharia da reserva e advogado Rubens Pierrotti Jr. aborda esse problema crônico do país, narrando episódios que se pretendem ficção, mas que têm os pés bem fincados na realidade, sobre gastos indevidos do dinheiro público dentro de uma instituição tida pelo senso comum (pelo menos até pouco tempo) como impoluta e irrepreensível: as Forças Armadas.
O romance, baseado nas experiências reais vividas por Pierrotti, relata a história de um grande esquema de corrupção engendrado por oficiais de alta patente do Exército Brasileiro para a aquisição e desenvolvimento do simulador militar de artilharia Smart. A farra com o dinheiro público no episódio começa pela própria “necessidade” de obtenção desse simulador. Havia, dentro da instituição, diz o autor, vários oficiais contrários à ideia, que apontavam alternativas mais eficientes e eficazes para mitigar a defasagem tecnológica da artilharia e otimizar o ensino e adestramento da tropa com custos muitos menores do que o Smart. Na trama, contudo, o General Aureliano, inspetor geral das Escolas Militares, usa de toda sua influência para fazer valer a sua vontade, silenciando as vozes sensatas que se opunham às suas ideias faraônicas. Assim, Aureliano convence superiores hierárquicos (generais ainda mais antigos do que ele) sobre a “imprescindibilidade” do Smart.
Não bastasse desprezar os pareceres contrários à compra do caríssimo Smart Aureliano ainda persuade seus superiores a optarem por uma empresa com know-how questionável. Para conceber o equipamento para treinamento militar, o general indica a Lokitec, uma modesta indústria espanhola do setor de defesa militar, que, segundo revista especializada da área, não possuía destaque algum na construção de simuladores militares. O motivo de tal descalabro vai sendo revelado página a página na obra até que o leitor se dá conta de como a prática nefasta do toma-lá-dá-cá, vício arraigado na política brasileira, também está entranhada na cúpula do Exército.
Aliás, a escolha da Lokitec é o estopim para um processo, no qual o que menos se vê é lisura e trato adequado da coisa pública. Fraude na licitação para que a Lokitec saísse vitoriosa em face de propostas flagrantemente melhores de outras empresas concorrentes; banquetes para os generais, oferecidos pelo representante comercial da empresa contratada; compra de passagens aéreas pela Lokitec para familiares dos generais passearem na Espanha... Não vamos dar spoilers demais. A lista dos absurdos e da gastança é de se estarrecer (ou não, se aceitarmos de vez que os militares não são a reserva moral da nação, como alguns pensam ou pensavam). O prejuízo que os fardados dão aos cofres públicos no projeto do Smart ultrapassa R$ 100 milhões.
Rubens Pierrotti Jr., coronel de artilharia da reserva, advogado e autor do livro:
Diários da Caserna - Dossiê Smart - a história que o exército quer riscar
Entre os casos de troca de favor apresentados na obra, um, em especial, merece destaque, justamente por se tratar de um dos grandes exemplos de desperdício de dinheiro público praticados por políticos: gastos indevidos no cartão corporativo, que, no Exército, é chamado de “suprimento de fundos. A certa altura da história, o general Simão (que passara a gerenciar o projeto de desenvolvimento do simulador) decide retribuir os banquetes e mordomias que recebia da empresa que deveria inspecionar nas viagens a Madri. Sai, então, para jantar com importantes figuras da empresa espanhola nos melhores restaurantes, com tudo pago pelo Exército. “Quem iria recriminar o poderoso general por usar o ‘suprimento de fundos’ nessas atividades, espécie de cartão corporativo dos fardados? Simão classificava esses jantares de luxo como ‘compromissos oficiais’. Estava tudo perfeitamente justificado! [ironiza o narrador]. Os vinhos eram escolhidos pelo lado direito do cardápio, entre os mais caros”, termina por narrar. A arte imita a vida! Não é de se surpreender, assim, que o personagem general Simão do “Dossiê Smart” lembre muito, na vida real, nosso ex-vice-presidente.
E não é somente no Projeto Smart que o livro denuncia desperdício de recursos públicos pelo Exército. “Diários da Caserna” também expõe rotinas gerenciais e administrativas praticadas nos quartéis, eivadas de vícios, que são negligentemente normalizadas, um dos graves problemas na instituição. Vale citar um dos trechos: “A brigada realizava as licitações, mas as empresas vencedoras não entregavam para os batalhões exatamente aquilo que havia sido contratado, em qualidade e quantidade, alegando que, se assim o fizessem, não sobraria margem de lucro. Para isso contavam com vistas grossas do comandante da Brigada Aeroterrestre, general Crassi”. A afirmação é do coronel Battaglia, na entrevista concedida aos jornalistas investigativos do El País. O herói da trama, nessa passagem, relata problemas com os quais se deparou ao assumir o comando do 1º Batalhão de Artilharia Aeroterrestre, levando à conclusão de que a incorruptibilidade dentro das Forças Armadas não passa de mito.
Trama do livro
Baseado numa história real, a aquisição de um simulador de apoio de fogo de artilharia denominado Smart por parte do Exército Brasileiro, em um processo marcado por crimes e outros tantos atos ilícitos e de improbidades administrativas, é o assunto principal do livro “Diários da Caserna - Dossiê Smart: a história que o exército quer riscar”, escrito pelo coronel de artilharia da reserva e advogado Rubens Pierrotti Jr. Ao longo de mais de 500 páginas, acompanhamos integrantes da instituição, generais e oficiais de alta patente, envolvidos em situações nada republicanas, como troca de favores e fraudes em licitações, tudo isso para que uma empresa espanhola, chamada Lokitec, com pouco know-how, ganhasse a concorrência para o desenvolvimento e transferência da tecnologia de um simulador de apoio de fogo para o Brasil.
A história tem como herói o oficial de artilharia Battaglia. É a partir de três entrevistas concedidas por ele ao jornal El País que a trama do livro se desenrola. Após receber do BrasilLeaks (plataforma online de denúncias anônimas) um documento de 1300 páginas, intitulado “Dossiê Smart”, sobre um suposto esquema de corrupção entre generais brasileiros e uma empresa espanhola, o periódico, decidido a ir mais a fundo na história, entra em contato com Battaglia. A explicação para a procura se deve ao fato de o oficial ter atuado durante anos como supervisor operacional do Projeto Smart e ter sido apontado pelo dossiê como uma das principais vozes de resistência aos desmandos que ocorreram durante o desenvolvimento do simulador.
A aposta do jornal é certeira. Mesmo temendo atentado contra a sua vida, Battaglia conta tudo o que sabe sobre o processo (fraudulento) de aquisição, (problemático) de desenvolvimento e (capenga) de transferência da tecnologia. A entrega de um moderno simulador de artilharia, no estado da arte, e transferência tecnológica por uma empresa de baixa tecnologia, vira quimera, fica só na promessa. O oficial de artilharia revela, assim, cronologicamente, as primeiras tentativas de contratação sem licitação da Lokitec; os estudos tendenciosos para favorecê-la; as brigas internas no seio do próprio Exército; o turbulento desenvolvimento do projeto, marcado por pressões de superiores sobre militares brasileiros subordinados para aprovar o simulador cheio de vícios; e o desfecho com exonerações, punições veladas e muito mais.
Pierrotti narra os acontecimentos do livro de maneira envolvente, entremeando os fatos relacionados ao Projeto Smart com episódios da vida pessoal do protagonista, que é fortemente abalada pelos problemas vivenciados na caserna. Neste aspecto de sua vida, merece destaque o relacionamento vivido com Helena, sua mulher. No início, presenciamos um casal feliz, repleto de aspirações; posteriormente, acompanhamos o desgaste do relacionamento, que culmina em desenlace, par e passo com a história de Battaglia e o Projeto Smart. Os próprios títulos dos capítulos do livro, ressalta o autor, expõem o sincronismo fatal da vida profissional e pessoal do personagem, como “¿Luna de miel?”, “Divórcio” ou “No divã”.
O livro representa um atrativo a mais para todos os brasileiros que querem entender mais sobre as Forças Armadas e os militares brasileiros, ainda sob a luz dos últimos acontecimentos: a inépcia de cerca de 7 mil militares que, de uma hora para outra, foram alçados ao governo passado; e os infames episódios da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. “Isso porque, por meio da trama principal do Projeto Smart, a obra ajuda o leitor a compreender problemas estruturais e conjunturais reais das Forças Armadas, bem como aspectos de socialização da denominada ‘família militar’ e do seu pensamento como ‘reserva moral’ da nação, que, na visão de alguns de seus membros, precisaria ser tutelada, com reinterpretações forçadas da Constituição Federal”, afirma o autor. “Serve até mesmo aos militares, pelo menos aos conscientes, àqueles que não tentam simplesmente varrer a sujeira para debaixo do tapete, impedir que isso nunca mais ocorra no Exército. Mas acho que estou pedindo demais” – sentencia Pierrotti.
Ficha Técnica:
Título: Diários da Caserna - Dossiê Smart - A história que o exército quer riscar
Autor: Rubens Pierrotti Jr.
ISBN: 978-65-5625-485-2
Formato: 16 x 25 x 23 cm
Páginas: 528
Preço de capa: R$ 69,90
Preço e-book: R$ 49,90
Editora: Labrador
Gênero: ficção brasileira