Quando a licença maternidade da jornalista Elisa Langsch terminou, ela se deparou com duas alternativas: matricular o pequeno Felipe, de seis meses, na creche, para voltar ao trabalho, ou ficar em casa para cuidar dos filhos. Elisa, que trabalhava na Câmara dos Deputados há 12 anos, escolheu a segunda opção com a sensação de "frio na barriga". Conciliar maternidade e carreira é um desafio. A psicóloga Monique Stony chama a atenção para o fato de que as mulheres gastam pelo menos 50% a mais de tempo nos cuidados com a casa e com os filhos em relação aos homens. E embora sejam maioria nas universidades, a qualificação das mulheres acaba não sendo traduzida em números. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 37% dos cargos de liderança no país são ocupados por mulheres. E apenas 54,6% das trabalhadoras com filhos pequenos estavam empregadas. Entre os homens, esse potencial era de 89% em 2021.
Elisa Langsch optou pela dedicação total à família. "A chegada dos meus filhos mudou completamente os meus caminhos. Comecei a sonhar e a fazer planos de uma vida com mais presença, menos correria", conta Elisa, que deixou o emprego e começou a empreender. Assim como ela, inúmeras mães se deparam com a difícil questão: como conciliar maternidade com a carreira? E chegaram à conclusão de que não há uma receita pronta para esse desafio. Enquanto umas escolhem deixar o emprego para se dedicar aos filhos, outras permanecem na carreira e enfrentam jornadas triplas.
"Como na nossa sociedade a mulher acaba assumindo o papel de principal cuidadora, toda essa falta de estrutura e sobrecarga acaba levando a saída da mulher do mercado de trabalho. Quando se tornam mães, metade das mulheres têm seus sonhos profissionais interrompidos. Claramente existe um degrau quebrado na trajetória de ascensão profissional que impede a mulher de chegar ao topo das organizações", explica Monique Stony, autora do livro Vença a síndrome do degrau quebrado — Como conciliar carreira, maternidade e revolucionar o mundo.
Segundo ela, desenvolver autoconhecimento é essencial para conseguir conciliar bem a maternidade com a carreira. "A mulher que concilia bem essas funções normalmente considera que a maternidade não é seu único papel e nem fator exclusivo determinante de sua identidade, mas sim um deles", pontua a psicóloga. Outro ponto importante é dividir as responsabilidades diárias de forma equilibrada com o parceiro e formar uma rede de apoio. "Pode ser uma rede de apoio espontânea, formada por familiares e amigos próximos ou, ainda, remunerada, como creche, escola ou babá, por exemplo. Para extrair o melhor dessa rede de apoio, alinhamento de expectativas, treinamento, boa comunicação e relação de confiança são elementos fundamentais a serem desenvolvidos. Quando a relação de confiança é estabelecida, a mulher precisa saber delegar e pedir ajuda", aconselha a psicóloga.
Mãe de dois meninos, Eduardo, 3 anos, e Felipe, de 6 meses, Elisa Langsch lembra que era afeita à rotina de trabalho antes da chegada do primeiro filho, no início da pandemia, quando viu a necessidade de fazer vários ajustes no dia a dia. "Sempre chegava em casa por volta das 22 horas. Não podia buscar o Dudu na creche e nem amamentá-lo na hora de dormir. Engravidei do Felipe no início de 2022. Ao longo da gestação, tentei imaginar várias possibilidades para dar conta de tudo: filhos na creche integral, babá, diarista... Mas nenhuma dessas opções me deixavam tranquila. Ficar em casa 100% dedicada aos filhos também não era uma opção. Gosto de trabalhar, e o salário faria muita diferença na nossa vida", lembra.
Segundo Elisa, a maternidade fez com que ela descobrisse que é mais forte do que imaginava. A jornalista descreve a experiência de maternar como um retorno à própria infância e também uma sessão de terapia. Contudo, apesar da força inata, as mães não têm superpoderes e precisam de apoio. Elisa conta com a ajuda do marido, dos pais e da irmã nos cuidados com as crianças. "Amamentar o bebê dá um trabalho que nem todo mundo enxerga. São horas e horas do dia e da madrugada dedicadas a nutrir meu filho, e isso exige uma energia enorme. Se eu durmo pouco, passo nove horas no trabalho, levo 40 minutos para ir e 40 para voltar, fica muito difícil manter a amamentação. E a carga mental da mãe está pesada demais. Você vai para o trabalho lembrando que o bebê precisa tomar vacina, que a despensa está vazia, que esqueceu a roupa na máquina. A lista não tem fim", ressalta.
Para conseguir conciliar as demandas como mulher e mãe, Elisa decidiu deixar o emprego na Câmara e começou a empreender. Antes dos dois filhos, a jornalista engravidou em 2018. Na época da gestação, como mãe de primeira viagem, ela se sentia confusa com tantas informações sobre maternidade. "Eu nunca tinha trocado uma fralda na vida e não tinha ideia do que fazer com um cueiro. Para a nossa tristeza, eu perdi aquele bebê com 12 semanas de gestação. No ano seguinte, quando eu engravidei do Eduardo, sabia que queria fazer um enxoval bem organizado, sem exageros, com aquilo que fosse realmente útil para o bebê e para mim. Eu já tinha a formação em personal organizer e comecei a desenvolver um método prático para montar e organizar um enxoval de bebê sem erros, sem desperdício", relata Elisa.
E foi a partir daí que surgiu o curso online Enxoval Inteligente, que auxilia as mães a montar um enxoval com peças de qualidade, garantindo segurança ao bebê. Segundo Elisa, embora ela tenha recebido apoio dos colegas de trabalho desde o início, essa não é a realidade da maioria das mulheres. "A sociedade quer crianças saudáveis, bem cuidadas e felizes, mas não garante às mães o tempo e as condições para fazer isso acontecer. É uma conta que não fecha: a mãe precisa de tempo e disposição para cuidar dos filhos, mas o mercado de trabalho exige cada vez mais de nós", afirma.
Além de mãe, mulher
Ouvir a primeira palavra, ver os primeiros passos, apoiar nas primeiras conquistas... a experiência de ser mãe é carregada de pequenos prazeres. No entanto, acompanhar o desenvolvimento dos filhos demanda bastante energia. E por vezes, a dificuldade que as mulheres sentem em conciliar as tarefas do cotidiano acaba gerando um sentimento de culpa. A empresária Hayane Calaça, mãe do Davi, de 3 anos, conta que vivenciar a maternidade foi difícil no início, pois ela recebeu o diagnóstico de depressão pós-parto. "A maternidade, para mim, é a coisa mais ambígua que pode existir, porque ao mesmo tempo que é dolorosa e nos enche de culpa, é a experiência mais linda e prazerosa que uma mulher pode desfrutar na vida", diz.
"Já entendi que perfeição não existe, mas tento conciliar fazendo o que posso. Normalmente, na parte da manhã, consigo fazer minhas tarefas de casa, então aproveito para estar mais perto do meu filho. A maior dificuldade foi passar o primeiro ano dele tentando ser mãe, tratando a minha depressão e ainda dar conta do trabalho. Nesse período não tive rede de apoio, quis me dedicar a essa função ao máximo que eu podia. Hoje conto com ajuda da babá e dos avós", acrescenta. Hayane, que nunca cogitou deixar o trabalho, tenta "equilibrar a balança". E deixar a culpa de lado é a principal estratégia. "Cada mãe tem a sua realidade de vida, sua rotina familiar, sua condição social. Eu tenho tranquilidade em saber que tudo o que faço pelo meu filho, faço o melhor dentro das minhas condições e realidade. Além de mãe, eu também sou uma pessoa, que tem vontades, sonhos e desejos, e mesmo não sendo possível fazer tudo ao mesmo tempo, a gente vai ajeitando uma coisa aqui, outra ali, e vai levando conforme dá, dentro do melhor que podemos fazer", diz a empresária e especialista em empreendedorismo.
Para a empresária Flávia Cecílio, mãe do Lucca de 13 anos e do Noah, 1 ano, é impossível cuidar do outro sem estar bem. E essa perspectiva ela foi aprendendo com o tempo. Entre a chegada do primeiro filho até o nascimento do caçula, Flávia diz houve um intenso processo de amadurecimento pessoal. Segundo ela, amor e fragilidade andam juntos na experiência de maternar. "Faço meu planejamento semanal, nos dias que vou atender os clientes, chamo a babá, ou em algum momento minha vó fica com o Noah. Minha prioridade sempre são os filhos. Já aconteceu do bebê ficar doente e eu ter que desmarcar compromissos", diz Flávia. Como especialista em consultoria de alimentos, ela está elaborando o projeto Ama Baby, focado em introdução alimentar para ajudar as mães. A ideia surgiu da autopercepção do quanto é difícil dedicar um tempo para si mesma em meio a maternidade. "Estou formulando para que as mães, mesmo no puerpério, que é uma fase desafiadora, não deixem de cuidar delas", explica Flávia.
Relato de mães
A lista de afazeres das mães parece ser interminável. E a analista administrativa Caroline Conde, mãe de três, conta que sem a ajuda do esposo, da mãe e das irmãs não seria possível lidar com todas as demandas. "Temos uma rotina hiper pesada, moramos longe dos locais das atividades dos filhos. Moramos na Ponte Alta, saio de casa às 6h da manhã e deixo as crianças em Taguatinga Norte, de lá vou para a Asa Norte trabalhar. O mais velho faz espanhol, natação e futebol. Aí de alguma forma, o João (de 12 anos) também é peça fundamental na minha rede de apoio, porque além de colaborar com as atividades dos irmãos, ele se vira no que é possível", relata Caroline. Para ela, o mercado de trabalho não costuma acolher as mães. "Por vezes, ficamos constrangidas em precisar apresentar um atestado porque o filho está doente ou para participar de reunião na escola. Mas eu não abro mão. Enfrento qualquer coisa para estar no campeonato de natação, nas apresentações escolares", afirma.
Se com a rede de apoio já é desafiador, sem ela a jornada pode se tornar ainda mais difícil. E na busca de encontrar mulheres com quem pudesse conversar sobre os desafios cotidianos como mãe solo, a escritora Joice Melo criou a revista colaborativa Mães que escrevem, que reúne mais de mil relatos sobre maternidade. A ideia partiu do pressuposto de que a escrita tem caráter terapêutico e que a internet poderia ser uma rede de apoio às mulheres. "Algumas mães falam: 'eu quero compartilhar minha história, porque eu sei que alguém vai ler e se identificar'. Isso é uma troca com uma pessoa que você nunca viu na vida. As mulheres se ajudam. Eu li um texto recentemente e me identifiquei, eu sou mãe solo e fica muito pesado às vezes. Isso gera dois sentimentos: alívio, porque sei que não estou sozinha, e o outro é revolta, pois tem mais alguém passando por situação semelhante e isso não é legal", pontua a escritora, mãe do Juan, de 12 anos.
Joice lembra que já teve que levar o filho quando ele ainda era bebê para o trabalho, por não ter quem pudesse ficar com a criança. A escritora também deixou de ser chamada para um vaga de emprego de professora por ter filho pequeno. "Ao mesmo tempo que sou grata pela saúde do meu filho e por tê-lo por perto, às vezes a sensação é de que eu não queria ser mãe. Não por ele. As pessoas acham que quando você expõe os percalços da maternidade e diz que está cansada, significa que não há amor. Pelo contrário. Maternidade deveria ser sinônimo de rede de apoio. Não o de que uma mulher é guerreira por lidar com tudo sozinha e ficar sobrecarregada", desabafa Joice.
E como a experiência de maternar é diferente para cada mãe, as mulheres negras esbarram em outros desafios, pois são a base da pirâmide social. "Isso significa que elas estão em maior quantidade em trabalhos precarizados e não têm privilégio de escolha sobre o tempo de ficar em casa com os filhos, tampouco têm direitos trabalhistas garantidos. Têm salários menores e menos condições de pagar para ter qualquer apoio para se dedicar a uma carreira. É comum que parem de estudar e estejam mais em trabalhos informais, o famoso 'se virando'. Então, se não existem políticas públicas que garantam direitos trabalhistas, salários dignos, representatividade em todos os setores - que não apenas os precários - e creches públicas, fica mais difícil para esta parcela da população 'conciliar' carreira e maternidade", comenta a jornalista e palestrante Ellen Paes, mãe da Valentina, de 12 anos.
Para ela, ser mãe e exercitar a maternidade são coisas diferentes. Morando longe da família e sem uma rede de apoio, Ellen precisou colocar a filha na creche a partir dos 7 meses. "Concilio a maternidade com a carreira da forma que a maioria faz: terceirizando o cuidado no tempo em que preciso estar trabalhando. Hoje, eu trabalho de forma híbrida, então eu que levo e busco na escola e volto pra casa pra trabalhar. Nos dias que preciso estar presencialmente, pago uma cuidadora. Na maioria dos dias estou fazendo mil coisas ao mesmo tempo: comida, organização da casa, reuniões, roteiros, gestão de equipes, ajudando ela com dever de casa, levando em atividades extras, enfim, uma rotina exaustiva, como de qualquer mãe solo sem apoio", comenta.
Lidar com as demandas do cotidiano requer que a jornalista estabeleça prioridades e dialogue com a filha constantemente e sem tabus. "Cozinhar, cuidar, administrar a casa e a vida de uma criança toma um tempo precioso das nossas vidas. Fazer isso e trabalhar fora também é sobrecarga na certa. Além disso, a gente precisa se cuidar, fazer uma atividade física, acompanhar a saúde, se alimentar direito. Como eu lido com isso? Bom, alguma coisa sairá mal feita. Em um dia eu vou ter que negligenciar o almoço e comer fora. No outro, talvez eu falte academia. Uma louça ficará para o dia seguinte, um uniforme que a filha vai usar amassado, uma roupa que vai acumular, enfim, é assim que eu lido. Sou, no geral, bastante organizada e trabalho na terapia a culpa por tudo que não será feito a contento para que eu privilegie o cuidado com a minha filha ou a minha carreira", conta Ellen.
Autoconhecimento, divisão de tarefas e diálogo
A cofundadora da Sonata Brasil, Natália Leite, define a ideia de que a mulher só pode se dedicar à maternidade ou ao trabalho como "eco do passado", pois a sociedade costuma atribuir todo o papel de cuidado às mulheres. Por muito tempo, Natália, que é mãe do Leon, de 3 anos, pensou que ter filhos não era uma opção, pois estava focada na carreira. Ela entende que no mercado de trabalho impera uma "lógica industrial", que exige que a mulher seja uma mãe integralmente dedicada à maternidade, como se não tivesse trabalho, mas que também seja um modelo de profissional como se não tivesse filho.
"Como eu empreendo e toco as minhas coisas, posso construir um jeito de maternar diferente. Então, consigo fazer uma conciliação entre carreira e maternidade que não seria possível de outro modo. Não tenho problema nenhum em fechar o áudio da reunião e acolher a criança que acabou de cair ali, tropeçar, brincando no mesmo ambiente onde eu trabalho. Claro que eu tenho uma série de facilidades, de privilégios, de rede de apoio, que sei que nem todas as mulheres têm, mas eu vejo que eu construo uma relação de maternidade e carreira que todos nós enquanto sociedade precisamos atentar para o fato que a gente tem que repensar essa relação. Não vai ser igual para todas nós, mas definitivamente tem mudanças importantes a serem feitas do ponto de vista das empresas e dentro das famílias também", frisa a especialista.
Por isso, ouvir as demandas de cada mãe é uma das principais maneiras das empresas agirem, a fim de colaborar para que o ambiente de trabalho seja mais acolhedor. "Muitas vezes isso se traduz em uma sala de amamentação, pois não são raros os exemplos de mulheres que tiram leite para seus filhos nos banheiros e não tem nada mais inadequado. Então, às vezes, uma sala de amamentação com frigobar, uma coisinha bonitinha, um mural para cada uma trazer a foto do seu filho, já muda tudo. A técnica mais vencedora aqui é ouvir, conversar com as mães, perguntar o que elas gostariam. É praticar a escuta e a sensibilidade. Líderes precisam ser sensíveis, para sentir como as pessoas estão, do que precisam. Isso reduz turnover, processos trabalhistas, aumenta performance e resultados", recomenda Natália.
Outras dicas
A mentora em carreira e liderança feminina Gisele Miranda, que também é autora do livro A Coragem de se apaixonar por você, listou outras dicas para ajudar as mulheres a conciliar a maternidade com a carreira, evitando a sobrecarga e o sentimento de culpa.
- Organização é primordial: Isso inclui ter horário certo para realizar determinadas tarefas, deixar coisas como roupas e refeições separadas, preferencialmente na noite anterior, ou seja, sempre se programar com antecedência. É claro que imprevistos acontecem, mas quanto mais houver organização, mais fácil será a rotina;
- Desconectar-se é preciso: Se estivermos sempre conectadas, também seremos sempre demandadas e, consequentemente, trabalharemos mais. Caso seja necessário, utilize um celular específico para trabalhar, e o desligue depois que sair do trabalho;
- Tire um tempo para si: Na hora de fazer a agenda de suas responsabilidades, é importante reservar um tempo, mesmo que seja curto, para tarefas prazerosa. Nesses momentos, você relaxa e ganha mais energia para continuar com suas demandas. É importante entender que o principal não é quantos afazeres foram ou não cumpridos, e sim ter clareza de quais são as suas prioridades, a cada dia, semana, mês ou ano. Dessa forma, a rotina fica mais leve e menos desgastante.
Você sabia?
Mães que tenham filhos de até seis anos ou com deficiência têm direito a uma flexibilização da jornada de trabalho. As mulheres podem ser beneficiadas com prioridade para regime de tempo parcial, antecipação de férias e concessão de horários flexíveis de entrada e saída (Lei nº 14.457/2022).