Os filhos de mães artistas sentem a pulsação da arte desde desde a gestação na barriga materna. E, quando existe vocação, a arte e a vida se abraçam de maneira indivisível. Na passagem do Dia das Mães, o Correio ouviu mães e filhas sobre essa rica interação, sem excluir as que questionam a idealização da figura feminina.
Em 1995, o espetáculo Os Buriti dançam bamboo estreitou laços entre Naira e Eliana. À época, aos seis anos, numa compra de tecidos para um espetáculo, Eliana foi surpreendida pelo rompante da filha: "Me meti no meio, e defini meu figurino", diverte-se Naira, ao relembrar da traquinagem. Sempre nutrida por arte, "na barriga da mãe, ou mesmo, sendo amamentada", Naira destaca, na obra conjunta, espetáculos como O marajá sonhador, no repertório da jornada pelos palcos, fortalecida pela presença de Guian, filho de Eliana.
Até chegar à parceria igualitária e de muita sintonia com os filhos, a diretora, atriz e dançarina Eliana moldou e redimensionou projetos artísticos. "Além do desenvolvimento de uma linguagem e de uma pesquisa, com os filhos tão maravilhosos que tenho, percebi que me ensinaram tanta coisa, fui agraciada. Vivi uma transformação artística, a partir do momento em que minha filha, aos seis anos, decidiu entrar em cena: comecei a contar histórias para ela e para todas as crianças. Ela foi minha grande inspiração, junto com meu filho, que tem um talento incrível", explica Eliana.
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Orgulho
Depois de muitos espetáculos solo, nas décadas de 1980 e 1990, Felícia Johansson, que sempre se afirmou uma "autora atriz", com ampla pesquisa de linguagem em textos performáticos, equilibrou "orgulho e preocupação", quando do mergulho nas artes, feito pela filha Clarisse. Há seis anos, Clarisse é atriz do Teatro Oficina, liderado por José Celso Martinez Corrêa. O receio da mãe foi o de ver Clarisse atuante "num país que não aposta nada em arte".
Assim como "fazia parte da educação" (ao lado da irmã Eliana, em criança), Felicia percebeu a filha, desde criança, interessada nos bastidores, na lida com maquiagem e afins. Professora de teatro da UnB, Felicia, que, nos anos 1980, brilhou ao lado de Hugo Rodas, celebra os ciclos da vida, ao ter sido espectadora da filha em obras como Punaré e Baraúna (também com Rodas). "Numa parceria, é a forma de ficar perto." Felicia conta da aposta no audiovisual, com projetos como a série Planetelle, de ficção científica. Além de prêmio no Webfest Rio, Planetelle foi destaque no Canadá e na Coreia do Sul.
Com percepção dos atributos da mãe, Clarisse não poupa elogios ao encaminhamento recebido por Felicia, sempre atenta, em especial, ao quesito humor. "Ela é minha parceira e mestra, na vida e na arte, me ensinando a viver e a trabalhar com integridade, leveza e humor. Grande coração de mãe", conta.
Em ritmo de samba
Edênia Lucas de Paiva, a Tia Edênia, carioca radicada em Ceilândia, 57 anos, é compositora há três décadas, ligada ao samba. Autora de sambas gravados pelo cantor Milsinho, entre os quais Novo jardim e Meu dilema; e pelo grupo Amor Maior e registrado no álbum-coletânea Sementes de Brasília II, ela compôs também samba-enredo para a escola Capela Imperial. "Acredito que o fato de eu ser compositora influiu para que meu filho tenha se tornado sambista. Ele é baixista do grupo Deu Vibe, no qual atua também como produtor."
Enquanto isso, Janette Dornelas atua em outra vertente da música. É uma cantora que pertence à geração do rock de Brasília, contemporânea e amiga de Cássia Eller, com que participou do coro da ópera Porgy and bess, de George Gershwin e do musical Veja você Brasília, de Oswaldo Montenegro. No momento, atua como cantora lírica em montagens de óperas e faz shows como intérprete de MPB, por rock e jazz. "Fiquei feliz quando percebi o interesse das minhas filhas pela música. Hoje, me orgulho das duas. A Sophia Dornellas, que é cantora lírica, está radicada no Rio de Janeiro; enquanto a Bruna Torre optou pelo rock, como vocalista da banda Mirante."
Cassia Portugal, carioca radicada em Brasília, é cantora de MPB há 25 anos. Se apresenta no circuito de casas noturnas brasilienses e em eventos particulares. Recentemente, participou do programa televisivo The Voice Brasil. Tem um disco lançado e está gravando outro. "Minha filha Rebeca Abdo atua no mercado do teatro musical, já tendo trabalhado com Deto Montenegro e Túlio Guimarães. Atualmente, mora em Toronto, no Canadá. Me vejo como uma autêntica mãe-coruja".
As mães artistas estão presentes também no chorinho. Gabriela Tunes é flautista de choro há 10 anos. Costuma se apresentar em duo com o filho, o bandolinista Tiago Tunes, de quem foi a grande incentivadora e com quem gravou vídeos disponíveis nas plataformas digitais."Tiago é líder de um trio e de um quinteto, com o qual gravou um EP. Com esses grupos, ele toca no Clube do Choro, Feitiço das Artes e em outros bares do circuito das casas noturnas", conta.
Maternidade tematizada
A pintora Clarice Gonçalves sempre teve sua arte atravessada pela socialização e sexualidade femininas, bem como os papéis de gênero. Mãe há oito anos, nove se for contado o período da gravidez, a maternidade vem sendo algo trabalhado na sua arte. Em 2019, ela fez uma exposição no Museu Nacional da República, chamada Matriz, só com obras que falam da maternidade. "Agora meu trabalho está fluindo para uma outra vertente, mas que também vem desse lugar da maternidade e acho que sempre virá. Ser mãe é para sempre", pontua a artista. "Para mim, ser mãe deveria ser um marcador social, assim como raça, classe e gênero, porque é um fator de empobrecimento, depressão e exaustão e acaba sendo uma forma de tirar a mulher do meio social e político".
Apesar da romantização da maternidade, a qual a artista considera nociva num contexto em que a mulher mãe passa por tantas dificuldades, a melhor parte de ser mãe, para ela, é observar o cerne do ser humano e como se dá o desenvolvimento social de uma pessoa. "A criança não nasce machista, preconceituosa ou odiando. Com trabalho árduo e contínuo de tentar explicar esse mundo que não faz o menor sentido para uma criança, você vê que é possível desenvolver pessoas com mentalidades diferentes, com abertura, com consciência diferente dessa baseada no medo religioso e no ódio ao diferente. Eu me sinto no topo da revolução." Clarice também ressalta que é impossível controlar o que o filho vai ser, por causa da convivência com a sociedade, embora ela dê e ensine o melhor para ele.