O entra e sai na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, era incomum para uma noite fria de sábado. Já passavam de 22h do dia 9 de julho de 1932 quando multidões de civis se apresentaram para tomar parte naquela mobilização. Da escola que hoje pertence à Universidade de São Paulo (USP), grupos armados partíam para prédios públicos, jornais e emissoras de rádio, enquanto militares revoltosos tomavam o comando de bases como o Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte, e a sede da 2ª Região Militar, na Chácara do Carvalho. Não encontravam resistência, tamanha a adesão das tropas locais ao movimento. Pelas principais avenidas da cidade, moradores se assustavam ao ver soldados com fuzis sendo transportados em caminhões.
Era o começo da Revolução Constitucionalista, o motivo pelo qual o dia 9 de julho é feriado no Estado de São Paulo. Naquela data, a capital paulistana virou o epicentro do histórico levante contra o governo provisório de Getúlio Vargas. O advogado gaúcho chegara ao poder após a Revolução de 1930, que derrubou o presidente Washington Luís e pôs fim à República Velha. Alçado ao comando da nação por força de circunstâncias, Vargas se comprometeu a chamar novas eleições e a promover uma Assembleia Nacional Constituinte. Mas, em vez disso, fechou o Congresso e passou a governar de forma autocrática, por meio de decretos, reduzindo autonomia dos estados, que receberam interventores federais. Depois de perder influência política na Revolução de 30, a poderosa elite econômica paulista não aceitaria facilmente a posição de vassalagem.
Para explicar as origens do movimento, é preciso voltar mais no tempo. Na República Velha (1889-1930), represententes dos dois estados mais ricos, São Paulo e Minas Gerais, alternavam-se na presidência do país (era a "república do café com leite"). Só que, ao final de seu governo, o presidente Washington Luís rompeu o combinado e indicou para o seu lugar o governador de São Paulo, Julio Prestes, do Partido Republicano Paulista (PRP). Prestes venceu as eleições, mas as oligarquias mineiras se uniram à elite gaúcha para formar a Aliança Liberal, que impediu o paulista de tomar posse e colocou Vargas no poder. Começava, então, o governo provisório que deveria convocar novas eleições e liderar uma nova Constituição.
Após o triunfo da Aliança Liberal, o general Hastínfilo de Moura assumiu o governo de São Paulo, compondo seu secretariado civil com nomes do Partido Democrátido (PD) de São Paulo, que havia apoiado a revolta de 1930. No entanto, os "tenentes", chefes militares aliados de Vargas, não demoraram a tomar o poder no estado, nomeando como interventor o pernambucano João Alberto Lins de Barros, o que gerou enorme insatisfação local (Barros era chamado de "forasteiro"). A divergência entre o PD e os "tenentes" getulistas está no cerne do levante de 1932.
De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a base social do movimento constitucionalista era formada por uma aliança entre a oligarquia paulista e as classes médias locais. Mas a mobilização não tinha a adesão dos grupos operários. Os trabalhadores das diferentes indústrias de São Paulo enxergavam com desconfiança a articulação das elites que, assim como em 1930, não reconheciam a relevância da questão social e ainda reprimiam as organizações proletárias.
No começo de 1932, o PRP e o PD travaram uma aliança histórica, formando a Frente Única Paulista (FUP), que se constituiu numa importante força política contra os "tenentes" de Vargas. A oposição ao governo provisório tinha também o apoio dos grandes fazendeiros do café, insatisfeitos com a cobrança de impostos e com a gestão econômica do setor, após o fim da política de valorização do produto. Formava-se, então, uma atmosfera de descontentamento devido à forma como a gestão Vargas se relacionava com a elite paulistava. Paralelamente, os representantes da oposição em São Paulo fechavam alianças com constitucionalistas de outros estados, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato Grosso.
Este barril de pólvora explodiu quando, na noite de 23 de maio, opositores tentaram invadir a sede do Partido Popular Paulista (PPP), que dava sustentação a Vargas. Assim que o grupo chegou diante do prédio na Praça da República, seus integrantes foram recebidos com fogo pesado pelas tropas governistas. Os jovens Mário Martins de Almeida, de 25 anos, Euclides Miragaia, de 21, Dráusio Marcondes de Sousa, de 14, e Antônio Américo Camargo de Andrade, de 30 anos, foram mortos a tiros e granadas. Seus sobrenomes deram origem à sigla MMDC. Em agosto, ainda morreria um quinto manifestante, Orlando Alvarenga.
Depois da carnificina na Praça da República, o levante armado começou a ser organizado a toque de caixa. O plano era tomar rapidamente a capital paulista e, com o apoio de revoltosos de outros estados, rumar para a sede do governo federal, no Rio, e tomar o poder do país em, no máximo, dez dias (se possível, sem disparar nenhum tiro). A primeira parte do roteiro correu como idealizada. A sede da 2ª Região Militar foi tomada em questão de horas. Estações ferroviárias, emissoras de rádio e o prédio dos Correios e Telégrafos, entre outros pontos chave, foram ocupados na madrugada do dia 10 de julho de 1932. A Faculdade de Direito servia de base para civis que se alistavam no levante em diversos pontos da cidade.
Entretanto, a revolução não recebeu reforços de fora de São Paulo. Estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso também tinham grupos constitucionalistas, mas eles não conseguiram se estabelecer como em São Paulo, que, em pouco tempo, viu-se isolado no mapa. Cerca de 200 mil pessoas se alistaram na Revolução Constitucionalista em São Paulo, sendo que mais de 60 mil participaram, efetivamente, dos combates contra as forças federais. Mesmo assim, o levante não tinha condições bélicas para enfrentar o poderio das forças governistas, que promoviam ofensivas de diferentes frentes nas fronteiras estaduais. Mas era uma questão de tempo até a revolta sucumbir.
A Revolução Constitucionalista terminou no dia 1º de outubro, após 87 dias de combates e com um número oficial de 934 mortos (estimativas extra-oficiais dão conta de mais de 2 mil baixas). O levante foi derrotado no campo de batalha, mas, do ponto de vista político, o movimento obteve conquistas importantes. O governo provisório reativou a comissão para realizar o anteprojeto da Constituição, nomeou um interventor civil e retomou a política de valorização do café. Uma nova Constituição foi promulgada em 1934, mas teve vida curta. Em 1937, Getúlio Vargas cassou a Carta, fechou novamente o Congresso Nacional e deu início à ditadura do Estado Novo.