Os obstáculos enfrentados pelas mulheres na luta pela igualdade de oportunidades são uma realidade, mas que é combatida com vigor em diferentes segmentos sociais e profissionais. O acesso às universidades é um exemplo dessa batalha, em que foram conquistadas importantes vitórias. Em 60 anos, a Universidade de Brasília (UnB) acompanha o avanço do protagonismo feminino. Espaços, que antes eram tradicionalmente dominados pelos homens, passaram a ter mulheres em posições de destaque. Entre os técnicos administrativos da instituição, 51% são mulheres, e com alto grau de qualificação. Na graduação, elas respondem por 50% da ocupação das vagas de estudantes, sendo que dos 131 cursos, 72 têm como maioria alunas.
De etnia Umutina, Eliane cresceu próximo à cidade de Barra dos Bugres, no estado de Mato Grosso, sem acesso às escolas indígenas. A falta de referências do seu povo na educação formal da região fez com que, aos 22 anos, ela deixasse sua terra natal em busca de qualificação e ingressasse na graduação. Em julho de 2019, Eliane se tornou a primeira mulher indígena a ter o título de doutorado em Antropologia pela UnB. "Foi uma oportunidade de colocar em pauta a importância dos saberes e da ciência dos povos indígenas, uma forma de trazer novos autores indígenas para dentro do espaço acadêmico, quebrando paradigmas", defende.
A caminhada foi longa. Antes, Eliane cursou licenciatura em ciências sociais na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e fez especialização em Educação Escolar Indígena. Em 2011, ela tomou ciência do processo seletivo para o mestrado profissional em sustentabilidade junto a povos e terras tradicionais da UnB, decidiu se inscrever na seleção e foi aprovada. A experiência rendeu uma dissertação que transformou-se em um livro, publicado em 2018. Em 2014, ela ingressou — graças ao sistema de cotas para indígenas — no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UnB, que resultou na tese: "Aprender o conhecimento a partir da convivência: uma etnografia indígena da educação e da escola do povo Balatiponé-Umutina".
Conquista coletiva
A pesquisa trata da importância da educação pautada nos saberes dos povos tradicionais como instrumento para fortalecer essa cultura, que tem sido vilipendiada desde os primeiros contatos com não indígenas, no século 20 (veja em Saiba Mais). "Eu vejo minha pesquisa, experiência e trajetória como referência. Vejo que foi um processo de conquista, não somente pessoal, mas também coletiva. Por trás da Eliane, existe toda uma comunidade indígena que luta pela sua cultura. A minha tese mostra isso, esse diálogo de parceria entre os povos indígenas e o mundo acadêmico", explica.
Para além da tese, Eliane utilizou de seu conhecimento para contribuir com a manutenção da cultura de seu povo: atualmente, ela é professora em uma escola na comunidade de Umutina. Finalmente ela pode ser a referência que gostaria de ter conhecido na infância. "Sair da aldeia, de um contexto que sempre vivi, onde estão meus parentes e familiares é um desconforto. Ao sair, dei de cara um um novo mundo. E, dentro da universidade, tem a dificuldade pedagógica, dos estudos. É um ritmo diferente", avalia.
Ela garante que mesmo difícil, a jornada foi importante para o seu crescimento como professora. "Vivi encantos ao interagir, conhecer novas culturas e pude me aperfeiçoar pessoalmente, profissionalmente e academicamente. Me aperfeiçoei em vários aspectos, ao conhecer essa diversidade cultural", destaca.
A oportunidade de transitar por diferentes lugares e culturas, durante suas vivências acadêmicas, fez com que Eliane tivesse ainda mais certeza da importância de defender uma educação inclusiva. "Sou a primeira mulher indígena a me tornar doutora e isso é fruto de lutas que colocam em prática as políticas públicas", ressalta. De acordo com a professora, sua formação serve de exemplo, não apenas para os povos indígenas, mas para todos aqueles que são "invisíveis perante a sociedade". "Hoje, vivemos um momento em que nossos direitos e conquistas são violados, mas acredito acredito que as universidades têm feito seu papel. Precisamos reformular, para que esse autores de comunidades como indígenas, quilombolas ou tradicionais possam ter acesso de qualidade ao ensino, assim como eu tive", completa.