Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Balsas, Cidade Sorriso sexta, 24 de julho de 2020

DESCIDA DE BOIA NO RIO BALSAS - A INVENÇÃO

 

DESCIDA DE BOIA NO RIO BALSAS -  A INVENÇÃO

Raimundo Floriano

Descida de boia: Riacho da Pendanga à esquerda

 

Como tentei demonstrar em meus escritos, Balsas é uma cidade abençoada. O Rio Balsas, que a banha, é uma dádiva dos céus. Nos primórdios da colonização, foi ele a principal via de transporte desde a cidade até Uruçuí, no Piauí, onde desemboca no Rio Parnaíba, que leva suas águas até o Oceano Atlântico.

Na descida, as balsas, carregadas de passageiros e da produção agropecuária da região. Na subida, os batelões, impulsionados por varas e remos, até o ano de 1911, quando se inaugurou intensa navegação de vapores, lanchas e motores, num fluxo que durou 50 anos, e só se acabou com a construção da Barragem de Boa Esperança. A história dessa navegação, com seus armadores, mestres, contramestres, comandantes, práticos, marinheiros e embarcações foi objeto de minuciosa exposição nesta Primeira Parte do livro.       

Com sua perenidade e cristalina água despoluída durante quase todo o ano, potável, sem necessidade de qualquer sistema de filtragem, esse rio proporciona as duas principais atrações turísticas do sertão sul-maranhense. A primeira é a descida de balsa, desde o Porto da Tomázia, 180 km acima, até o Porto da Rampa, também conhecido como Porto das Caraíbas, no centro da cidade.

Essa viagem é demorada; durando três dias, exige muitos equipamentos e, pelo aspecto oneroso, é acessível apenas às pessoas mais aquinhoadas. A segunda, de curta duração e ao alcance de qualquer bolso, é a descida de boia, partindo do Porto da Canaã. E é sobre ela que lhes quero falar.

É o passeio praticamente obrigatório dos finais de semana. Não há visitante que não o experimente. Ficou mundialmente famoso quando o jovem Adílson Oliveira Jr., de Piracicaba-SP, bolsista da EMBRAPA em Balsas, dele participou e, ao retornar à sua terra natal, fundou a Comunidade Já desci o Rio Balsas de Boia, no Orkut, extinta recentemente, não sei o porquê, cujo número de membros ultrapassou a casa dos 2.000, espalhados pelos quatro cantos do nosso planeta. A 31 de dezembro de 2009, reativei-a, na esperança não só de reagrupar todos os antigos membros, como também de angariar novos sócios, no intuito de promover, mais ainda, o nome de nossa cidade. Em 2005, foi realizada a Descida das Mil Boias, evento a que acorreram balsenses e demais entusiastas de todo o país e também do exterior, sendo registrada por observadores para que conste do Guiness Book of Records.

            Mas... Como tudo isso começou? A seguir, minha versão.

Em julho de 1952, aos 16 anos, desci, sozinho, o Rio Balsas, do Porto do Canto Alegre, hoje Porto da Canaã, pela primeira vez. Que se saiba, ninguém fizera isso antes. No dia seguinte, repeti a aventura. Aventura mesmo, pois desconhecia os meandros, as corredeiras, o xenhenhém, as margens, o tempo gasto no percurso.

Naquela época, eu não possuía relógio. Hoje, sei que são duas horas, mais ou menos, sem paradas e com o vento não soprando para cima.

Comecei usando talo de buriti ou tronco de bananeira. Não havia carros em Balsas, exceto uns caminhões, cujas câmaras de ar eram remendadas até a exaustão e, ao serem descartadas, só forneciam mesmo tiras para fazer baladeira.

Quando ali estou a passeio, desço todos os dias. Em julho de 1991, fiz 30 descidas. Se não encontro companhia, pego um táxi até lá e desço só. O que eu não posso perder é o encanto da paisagem, o mistério das águas, o maravilhoso sol.

Histórias tenho para contar. Em 1964, por exemplo, meu primo Doutor Cazuzinha e eu descemos do Canto Alegre numa grande enchente, cobra pra todo lado, quase ao anoitecer. Não acreditam? Pois ele está lá em Balsas, pronto para confirmar esse arrepiante lance!

Não quis dizer que “inventei a roda”. Isso não! Antes de mim, muitos navegaram por ali, como os balseiros, que há séculos singram aquelas águas. Outros também faziam uma minidescida, partindo do Rasião, cerca de quilômetro e meio acima da Rampa. Mas como diversão, como passeio, declaro-me o primeiro. Peguei um talo de buriti e, por não achar companheiro, segui sozinho, a pé, para o desafio.

Escolhi o caminho de ida porque eu já o conhecia: na margem oposta, fica o Canto Alegre, fazenda do meu saudoso Tio Cazuza, do lado da Tresidela. Nos dias seguintes, sempre desacompanhado, repeti o feito.

            Só bem depois, quando o progresso chegou a Balsas, é que se iniciou o uso de câmaras de ar como boia.

Em julho de 1991, reconhecendo o meu pioneirismo, Júnior Coelho, Presidente da Câmara Municipal, me conferiu o troféu Um Amigo do Rio das Balsas. Por isso, fico orgulhoso, emocionado até, quando contemplo as fotos da Descida das Mil Boias. Pena que certos problemas ortopédicos tenham impedido a minha participação.

FLAGRANTES DA DESCIDA DAS MIL BOIAS:

 

O percurso Balsas – Canaã no passado

 

Na minha adolescência, o percurso de ida, 9 km, era assim: eu saía da Rua do Frito, atual 11 de Julho, e seguia, talo de buriti às costas, rumo à aventura. Com um quilômetro, estava atravessando a vau o Riacho do Lava-cara, no final da hoje Rua Benedito Leite. Ainda não havia a ponte. Seguindo adiante, agora só mato, alcançava a Bacaba, onde morava o Canário, oficial de justiça, pioneiro afro-brasileiro da colonização balsense. Logo em seguida, o Riacho da Bacaba, esse com ponte e, mais adiante, o cemitério. Andava um estirão e chegava ao Salgadinho, mais ou menos onde há hoje uma cancela e um curral. Logo depois, onde hoje há um areão, ficava a Lagoa do Canto Alegre. Lagoa perene, imensa, com jacarés, cágados, traíras, piabas, garças, patos, marrecos, paturis, mergulhões, tudo que é ave piscívora, lindo recanto que o desmatamento se encarregou de destruir. Depois, era caminhar muito, até chegar ao Porto do Canto Alegre. E lá, à espera, o aconchegante rio!

 

O percurso Canaã – Caraíbas hoje

Raimundo Floriano, no Porto da Canaã

 

Sem parada e vento calmo, 12 km, duas horas de duração. Aos 10 minutos, à direita, em frente a uma vazante, gameleira frondosa debruça-se sobre o rio. No galho rente à água, cágados costumam dormir, quentando-se ao sol. 30 minutos: tapera e vestígios da antiga fazenda do Jair Gaúcho. No meio do rio, é muito raso, a boia raspa o leito. O local poderia ser batizado de Rala-bunda. É de bom alvitre jamais amarrar garrafa na boia, pois ela se quebra nas pedras. Uma hora: Pendanga, com seu riachinho, a roda-d’água e, mais adiante, o emocionante xenhenhém. É aí que as boias surfam n’água, em imensas ondas. Agora, de vez em quando, mirar o horizonte à frente, pois, com uma hora e meia, aparece, lá bem longe, a antena da Rádio Rio Balsas. Faltam, portanto, 30 minutos para a chegada. Com mais um pouco, surgem sinais da cidade. Daí, é comemorar a façanha!

 

Companheiros de descida

 

Acompanharam-me nas descidas, ao longo desses 57 anos: Veroni, minha esposa, Elba e Mara, nossas filhas; Pedro Silva; José, o Carioquinha; Bergonsil Albuquerque e Silva, Valéria e Maurício; Afonso Celso de Albuquerque e Silva e Afonso Celso; Maria dos Mares Albuquerque e Silva; Rosimar Albuquerque e Silva, Renato, Luciana, Marianne e Adriane; Ceres, Paula e Gustavo Noleto; José de Sousa e Silva Filho, o Doutor Cazuzinha; Esmaragdo e Silva Neiva, Casusa Neto e Antônio Estevam; Oscar Fernandes, Nívia Kury, Flávia e Léo; José Elias Kury e Maria Luíza, a Lu; Márcia Kury, Rosy Neto, Ramom e Thiago; Winston Kury e Ilza Kury; João Emigdio da Costa e Silva, Clarissa, Carmen e Juliana; Luís Fernando da Costa e Silva e sua irmã Ana Alice; Walber Reis; Carlos Kutiansky, Ana Maria, Felipe, Fernando e Diogo; Pedro Ivo da Silva Sobrinho; Dodolfo Fonseca, Isaura, Adolfinho e Fernando; Gláucia Holanda, Liana Vieira; os irmãos Gomes: Evaneide, a Joanna, e Francisco de Assis, o Tico; Raimundo Ribeiro, o Titina, Juracy e Maria Lúcia; João Ribeiro Filho; Adalberto Pereira Lima e Vânia; Carlomagno Pereira Lima, o Carló, e Terezinha; Carmélia Coelho, Gustavo, Vítor e Felipe; Walter Kury e Crisálida; Doutor Luzimar Miranda da Silva.

 

Depoimento de uma balsense há quase 60 anos moradora em Niterói-RJ, minha prima e cunhada

 

Raimundo, não há a menor dúvida, você é realmente o pioneiro das descidas de boia no Rio Balsas. Sua descrição é perfeita, rica em detalhes, detalhes dos quais eu sequer me lembrava e que me emocionaram. Ao ler sua menção ao Canário, lembrei-me de tudo, do rosto dele, da casa e até do pé de umbu comum que havia na porta de sua casa. A Bacaba, o Lava-Cara, o Salgadinho... O Rasião me fez lembrar da Josefa da "Berada", com sua voz estridente. E a Lagoa, quanta lembrança agradável! Ali, o papai sempre parava para apreciarmos a natureza, especialmente as garças. Que saudade do meu tempo de criança, do Balsas que já não existe, a não ser em nossas lembranças e em nossos corações! Há 11 anos, não vou a Balsas e nem sei se algum dia voltarei. Mas, se voltar, certamente ficarei triste com a destruição de quase tudo e a ausência de quase todos que povoaram a minha infância. Com exceção da minha família, praticamente não identifico ninguém, é uma cidade cheia de pessoas desconhecidas. Restam a Igreja Matriz de Santo Antônio e o maravilhoso Rio Balsas, que, apesar de maltratado, persiste em sua perenidade e em sua correnteza, que leva as águas, mas não as nossas lembranças. Obrigada por ter-me enviado esse relato, que tantas recordações me trouxe e me emocionou a ponto de me deixar em lágrimas. Um grande abraço. (a) Izaura Maria. 

 

É sabido em Balsas o caso de um forasteiro que foi realizar sozinho essa descida e tratou logo de encher a cara, levando consigo uma garrafa de pinga pra beber no percurso. Como era de se esperar, foi mesmo que botar num dedo o anel da dormideira. O resultado disso foi que passou direto pelas Caraíbas, despercebido, roncando na boia, e só foi resgatado em Sambaíba, a primeira cidade rio abaixo.

            Caso o sono persistisse, poderia ter chegado ao Oceano!

 

 


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