A tragédia em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, coloca a mineradora Vale no centro de um furacão jurídico, que deve resultar em milhares de ações na Justiça no país e no exterior. O entendimento nos tribunais e no Ministério Público Federal é o de que não se pode repetir o fracasso observado no desastre de Mariana, pelo qual ninguém foi punido devido a uma enxurrada de ações protelatórias. Segundo os bombeiros, 65 corpos já foram encontrados no vale de lama deixado pela barragem de uma mina que arrebentou na última sexta-feira e mais de 270 pessoas estão desaparecidas.
Ontem, a Vale sentiu o peso do que está por vir. Teve mais R$ 800 milhões bloqueados de suas contas, totalizando R$ 11,8 bilhões. Tomou uma sova dos investidores, que fizeram o valor de mercado da empresa despencar mais de R$ 70 bilhões. Terá de responder a processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pela regulação e fiscalização do mercado de capitais. E corre o risco de ter a sua diretoria destituída pelo governo, como avisou o presidente interino da República, general Hamilton Mourão.
Mais: a Polícia Federal está fazendo uma varredura nos laudos que indicavam a segurança da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. As diligências são conduzidas pelo delegado Luiz Augusto Pessoa Nogueira. A PF vai avaliar se existe algum tipo de irregularidade nas licenças. O governo alega que existe risco de contaminação do Rio São Francisco, o que motiva a atuação dos investigadores federais. Dentro da PF, corre a informação de que pode ter havido fraude no processo de avaliação da barragem, já que nada justificaria o desabamento se todos os requisitos estivessem sendo seguidos corretamente.
Terceirizados
O cerco contra a empresa foi explicitado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela afirmou que o Ministério Público está avaliando medidas para impedir a demora na punição dos responsáveis e no ressarcimento dos danos causados à sociedade. “É muito importante que a Justiça dê uma resposta eficiente, dizendo que esse caso, esse tipo de responsabilidade, deve ser tratado como prioridade. É também preciso responsabilizar severamente, do ponto de vista indenizatório, a empresa que deu causa a este desastre, e também promover a persecução penal”, afirmou.
Dodge lembrou que os “executivos podem ser punidos também”. Ela se referiu aos responsáveis pela atuação direta na região de Brumadinho. Além do MPF, o Ministério Público do Trabalho (MPT) quer garantir que cada família de trabalhador vítima do rompimento da barragem receba ao menos R$ 2 milhões. O valor, segundo a procuradora-chefe do MPT em Minas Gerais, Adriana Augusta Souza, é o mesmo acordado com as famílias dos trabalhadores mortos no desastre de Mariana, há três anos. Foi com base nesse número, aliás, que o MPT conseguiu liminar para bloquear mais R$ 800 milhões da Vale. De acordo com a empresa, ao menos 400 pessoas trabalhavam na Mina do Feijão, quando a barragem se rompeu.
O valor, no entanto, é preliminar, e leva em consideração gastos imediatos. “A gente quer que a empresa arque com as despesas de funeral, traslado do corpo e demais gastos relacionados a um contexto como esse, inclusive dos trabalhadores terceirizados. É um direito que as famílias têm”, explicou Adriana. Ela sabe, porém, que não será tarefa fácil, uma vez que a Vale conseguiu brecar todaS as ações decorrentes do desastre em Mariana. Desde que uma barragem de rejeitos se rompeu e destruiu o distrito de Bento Rodrigues, 50 mil processos foram movidos contra a Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP Billiton. Nenhuma das ações que correm no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) resultou em reparo financeiro às vítimas.
Segundo o TJMG, as milhares de ações contra a Samarco e as suas controladoras estão paradas devido a vários pedidos de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs) por parte da mineradora. Essa artimanha é facilitada porque as ações estão espalhadas por diversas varas especializadas. Até que uma decisão seja tomada sobre o caso, autorizando ou não a unificação dos processos, todas ações ficam paradas no Poder Judiciário, alimentando a impunidade.
Além da Justiça estadual, as empresas envolvidas enfrentam processos na Justiça Federal e em cortes internacionais. Algumas famílias conseguiram furar o cerco montado pela Vale e recebem recursos para aluguéis e auxílios emergenciais. No caso da tragédia de Brumadinho, se tudo se mantiver como está, a resolução do processo pode demorar ainda mais, por conta da quantidade de pessoas vitimadas. Por isso, a pressão da sociedade sobre o Judiciário terá de ser grande. “Queremos o pagamento continuado dos salários dos empregados, tanto dos que morreram, quanto dos que estão vivos, pois com a paralisação dos serviços, ficarão sem emprego. As famílias não podem perder o sustento”, afirmou a procuradora do MPT.