22 de outubro de 2020 | 05h00
Em Berlim, em fevereiro, havia 19 filmes brasileiros distribuídos pelas várias seções do festival. Havia também duas séries da Globo no mercado de TV. Fizeram o maior sucesso – Onde Está Meu Coração?, sobre dependência química, roteiro de George Moura e Sergio Goldenberg, direção de Luísa Lima e supervisão de José Luiz Villamarim, e Desalma, de Ana Paula Maia, direção de Carlos Manga Jr. Especialmente a segunda causou o maior impacto. “Não é o tipo de produto brasileiro que o público europeu esteja acostumado a ver. É zero tropical”, observa Maria Ribeiro, uma das três protagonistas, com Cláudia Abreu e Cássia Kiss.
A trama envolve bruxaria numa comunidade ucraniana no Sul do Brasil. Cássia é impressionante – mas quando ela não é? – como a bruxa-mor. É raro que as antigas tradições do Leste europeu impulsionem a produção dramatúrgica da televisão brasileira, e menos ainda numa produção de gênero. Desalma foi feita para o streaming do Globoplay. Chega à plataforma nesta quinta, 22. O mérito é conjunto da premiada escritora Ana Paula Maia, duas vezes vencedora do prêmio de literatura do governo de São Paulo, e do diretor Manga Jr. Filho do lendário diretor – Carlos Manga – de algumas das melhores chanchadas da Atlântida, o Jr. rapidamente mostrou ter brilho próprio. Estreou aos 24 anos com Vamp. O mais jovem diretor de novela, e a de Antônio Calmon, foi um grande sucesso.
Maria Ribeiro confidencia para o repórter – “Ele é russo, no sentido de que é muito ligado no cinema de (Andrei) Tarkovski. Sabe aquela coisa lenta, mas não chata, de construir o tempo? Os planos longos, a valorização da paisagem, dos atores? O Manga é desse time”. A autora Ana Paula admite que está realizando um sonho – “Sempre quis escrever para TV”. Nascida num bairro da periferia de Nova Iguaçu, no Estado do Rio, filha de uma professora de literatura, o irmão e ela adoravam ver os filmes de terror que passavam no fim da noite. A família vivia numa bolha. No bairro, campeava a violência, na telinha, sangue e sustos, Ana e o irmão protegidos.
Manga Jr. ficou atraído pelo material. Maria Ribeiro é estrangeira na comunidade. Descobre um mundo de mistério e sobrenatural. Na noite mais escura do ano, as almas dos mortos têm o poder de caminhar entre os vivos. Para Ana Paula, é uma história de vingança. Manga Jr. acrescenta. “De vingança, e de perda.” Como diretor, segue três mandamentos – sua bula. “Limpeza, estranheza e rigor.” Não cita Tarkovski como referência. “(Theo) Angelopoulos e ele são inspirações.”