Gatilho da espingarda bate-bucha do meu Avô
A chuva fina e contínua não parava de cair. Meu avô João Buretama vestiu um trapo velho como blusa e foi para a roça com a amiga enxada no ombro. Ele precisava garantir que as ervas daninhas não atrapalhariam o crescimento do feijão nascido havia apenas 15 dias, mas já “muito bonito”. O milho também começava a dar o ar da graça, chegando numa altura de 30 centímetros. Precisava ter cuidados para assegurar o crescimento total.
As “manivas” da mandioca cresciam e novas mudas caminhavam para garantir uma boa raiz e uma grande farinhada daqui a três meses – mais que isso a mandioca fica com muitas fibras e a farinha não fica boa. E também seria a garantia de uma boa goma para os beijus e tapiocas da meninada.
Capina daqui, capina dali e meu avô foi surpreendido pela “friviação” das covas da maravilhosa batata doce branca, uma espécie rara que começa a desaparecer do mercado consumidor. Algum bicho do mato tinha “bulido” ali. Ora, se tinha!
A labuta da carpina tinha acabado ali, naquele momento. Alguém tinha que tomar uma providência – e esse “alguém” era ele, meu avô. Pegou de volta seus “terens” e caminhou para casa.
A chegada intempestiva do meu avô chamou a atenção e aguçou a curiosidade da minha avó Raimunda Buretama:
– Já vortou véi? Prumode quê tanta pressa?
– Tem um bicho miserávi me atrapaiano. Fuçou as covas da batata doce e comeu tudo. Vou agorinha percurar esse miserávi e só volto quando arresolvê isso!
– Hômi, tome cuidado com o que vosmecê vai fazê!
Porco do mato (Javali) foi comida para uma semana
Vovô foi até a “camarinha” e de lá retirou de dentro do baú, uma muito bem conservada “espingarda bate-bucha”, que ele trocara por duas novilhas de cabra, com pessoa conhecida das redondezas – mas que ele concordara em manter o anonimato.
Pegou a “bicha” que permanecera enrolada nuns paninhos velhos e foi para o alpendre “carregar” a peça. Levantou, pegou o chapéu e a espingarda e saiu célere na direção do mato.
Após mais de meia hora embrenhado nas matas, levando apenas o companheiro Joli, um cachorro vira latas bom de faro e de caça. De repente Joli começou a latir um latido desesperado. Tinha encontrado o porco do mato que comera as três covas de batata doce plantada na roça.
O bicho estava numa “madorna”, bucho cheio, depois de comer tanta batata. Os latidos de Joli acordaram o bicho preto e feio, com quase 2 metros de tamanho. Enorme!
Vovô entendeu que um tiro só podia resolver o problema. Aproximou-se bem devagar, fazendo sinal para Joli se aquietar. Fez a mira e disparou, acertando no meio da cabeça do animal. Aquela cabeça não serviu mais para nada. Correu, e “sangrou” o bicho, esperando que a sangria terminasse ali mesmo.
Após muita luta para carregar o bicho morto (por conta do tamanho e do peso), Vovô finalmente chegou em casa.
– Véi, você matou o disgramado?!
– Ora véia, o bicho tava ressonado de tanta batata que comeu. Fiz a mira no meio da cabeça, puxei o disparador, e atirei. Foi só um tiro, e peibufo!