Ontem na fila do almoço do Hotel Aram Imirá Beach Resort, onde eu estava dando um treinamento para a equipe comercial do nosso distribuidor aqui do Rio Grande do Norte, testemunhei uma conversa exageradamente engraçada. E constrangedora também.
Uma senhora à minha frente trazia uma tatuagem nas costas, na altura da “par direita”, como diria minha querida Tia Santa. Era um rosto um tanto quanto esquisito em virtude do enrugamento natural daquela parte do corpo, quando carne e pele não conseguem mais resistir aos poderes da famosa Lei de Newton e descem das costas como se quisessem fazer parte de outra parte.
Abaixo desse mesmo rosto havia ainda a criação de John Wallis, contemporâneo do mesmo Newton, ou seja, havia o número “oito deitado” sobre um coração, simbolizando “amor eterno”. Foi assim que eu interpretei.
Já pelas cores desbotadas dos desenhos, eu vinha calculando a idade da tatuagem em uns… quinze anos. No mínimo. O que coincidia com a segunda data tatuada ao lado do coração: 2008. A outra data era 1958 sobre duas argolas que eu entendi como alianças. As datas eram separadas pelo coração.
Toda essa arte simbólica sendo imprensada e um pouco descaracterizada pela ação do tempo.
Ela, digo, a senhora, servia-se da feijoada quando um senhor bem atrás de mim – aliás, apenas eu os separava – conversou animado e em tom de admiração:
– Nossa como a senhora é fã do Amigo da Onça. Até tatuou o rosto dele nas costas!
Eu não sei quantas vezes aquela senhora é abordada com tal comentário; mas, ela virou-se tão rapidamente que temi sua feijoada caindo do prato sobre os meus pés e dei, por puro reflexo, um passo atrás, deixando-os frente à frente.
– Fala comigo? – ela perguntou altiva.
O senhor respondeu que sim, acrescentando que na infância adorava as piadas do Amigo da Onça.
Eu vi o rosto da senhora se contrair, acentuando ainda mais as rugas na pele branca. Com um sotaque que muito me pareceu ser do outro Rio Grande, ela respondeu:
– Pois, saiba o senhor que este rosto é do meu saudoso marido Péricles – e concluiu demonstrando bastante chateação – seu indelicado!
O senhor olhou para mim com um misto de vergonha e decepção no olhar, enquanto a senhora saiu irritada da fila para se sentar uns quatro metros à nossa frente.
– Rapaz, que coincidência! O Péricles dela era a cara do personagem do outro Péricles – ele falou quase num cochicho.
Eu ri um pouco por fora, segurando como pude a gargalhada querendo explodir do meu peito.
– Aqui para nós dois – baixei o tom de minha voz ao nível da dele, pisquei marotamente um olho e lhe confessei – eu também jurava ser uma homenagem ao Amigo da Onça.
Ríamos juntos quando um turista gritou lá atrás “anda a fila”.