Ruína semelhante ao Cabaré de Maria Bago Mole
Após a fama do cabaré se espalhar por toda Região da Zona da Mata Sul e Norte de Carpina (PE), quase toda semana chegava uma “cutruvia” no cabaré, média de dezesseis a vinte anos, vinda das redondezas. E Maria Bago Mole acolhia a todas, nem que fosse por uma semana ou duas até encontrar um pretendente que se engraçasse dela e juntos fossem morar. Não era de sua índole abandonar quem estava necessitada, mas não dava para acolher todas.
Certo dia chegou ao Cabaré Carminha de Zefa, uma morenona pedaço de mau caminho, pernas grossas, nariz afilado, cabelos pretos e longos, filha de índio com negra ex escrava. A famosa cafetina logo viu “futuro” na donzela e a escondeu antes que um Zé Qualquer passasse os olhos naquele monumento e ousasse comê-la, sem a cafetina mostrá-la a um coronel endinheirado que não dava mais no couro, nem que fizesse uso dos chás de ervas milagrosas da época, oferecidos pelos propagandistas de porta em porta.
(Há que se registrar aqui uma curiosidade: todas as meninas do cabaré antipatizaram com a chegada da “intrusa” por ser muito bonita e nova e logo a apelidaram de “cutruvia”, mesmo sem saber o significado da palavra. Teve de haver a intervenção da cafetina para que a harmonia reinasse na casa e ninguém se visse como rival: o sucesso não tolera querelas internas. A união é que faz a força, produz riqueza e todas ganham – dizia ela às meninas.)
O pai de Carminha de Zefa, Seu Zequinha, era um homem tosco, rude, e, por não aceitar que a filha fosse “deflorada” por um Zé Qualquer a expulsou de casa contra a vontade da mãe, Dona Zefinha, que, além de confiar na filha em não ter cedido às tentações do pretendente, jurava no altar que a filha era cabaço ainda.
À noite chegou ao cabaré o coronel Amâncio, um dos coronéis mais ricos e influentes da Zona da Mata Sul de Carpina (PE), depois de Seu Bitônio Coelho, bem-querer de Maria Bago Mole. Entrou pela porta dos fundos por sugestão da cafetina e ficou escondido no quarto especial que as meninas do cabaré haviam preparado a mando da “patroa” para os dois.
Antes que o coronel Bitônio Coelho chegasse ao cabaré como havia prometido, Maria Bago Mole preparou a morena para ficar a noite inteira com o coronel Amâncio, mas antes lhe passou algumas instruções de como lidar com um homem já oitentão: tire-lhe as roupas devagar, peça por peça, deite-o na cama, passe-lhe óleo de peroba nos trololós dele, amolegue-lhe bem os cachos, cheire-os, beije-os, rodopie-os e, caso não obtenha êxito, tire sua roupa toda na frente dele, dance, se esfregue nele para ele se sentir no paraíso e, depois, se nada acontecer, diga-lhe que quer morar com ele na fazenda para transformar as noitadas dele numa festa de harmonia e prazer eterno.
Golpe de misericórdia!
O coronel Amâncio ficou tão lisonjeado com o pedido de casamento da morena que, mal o dia raiou, foi logo se trocando, mandou a cafetina preparar a carruagem que ele havia deixado com os cavalos, pagou-lhe todas as despesas do cabaré e ainda compensou a cafetina por ter-lhe arranjado aquele “presente” dos deuses. Grana gorda!
Depois que o coronal Amâncio deixou o cabaré, Seu Bitônio Coelho se despediu da amada, Maria Mago Mole e se mandou também no seu alazão branco. Ela reuniu as “meninas” no salão, verificou se não havia mais freguês nos quartos, e discursou, olhando nos olhos de cada uma:
– Vocês têm de aprender a engolir cobras e sapos. Vocês têm de ver o que é melhor para vocês. Onde existir possibilidade de lucrar não pode haver rivalidade, mas troca de experiência, aprendizado, porque é dessa forma que ganhamos todas. E deu a cada menina uns réis que o coronel Amâncio a havia entregue pelo presente ofertado.
Naquele dia a festa no cabaré foi entre as meninas e a cafetina.