Proprietário da loja de discos Tracks, há 27 anos na Gávea, Heitor Trengrouse é um dos muitos que, até há pouco, tinham decretado a morte do CD. Diante da baixa procura por lançamentos no formato, cada dia mais suplantado pelo streaming, ele já estava planejando diminuir a presença do produto em sua loja, que também comercializa LPs e DVDs.
Em novembro, porém, Trengrouse tentou algo diferente. Pela primeira vez, adquiriu uma grande coleção de CDs usados. Vendidos a preços mais acessíveis, o lote teve uma saída surpreendente. O perfil dos compradores variava: desde jovens nostálgicos em busca dos artistas dos anos 1990 e 2000 que ouviam na infância (e que só foram lançados em CD) a colecionadores que não querem mais pagar os valores inflacionados dos vinis.
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Outros proprietários de lojas concordam com Trengrouse: há empolgante crescimento das compras de CD de segunda mão, que parece inversamente proporcional à procura por lançamentos no mesmo formato.
Segundo uma pesquisa divulgada pela Pro-Música Brasil, associação afiliada e representante nacional da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a produção de streaming correspondeu a 86% do faturamento total da indústria fonográfica no Brasil em 2021. As vendas dos formatos físicos como um todo (CD, LP e DVDs), por sua vez, representaram apenas 0,6% do total das receitas da indústria.

Nessa conjuntura, a produção de CD em território nacional minguou. Mesmo alguns lançamentos de artistas brasileiros só chegam aqui muitas vezes via importação, o que tornam os preços exorbitantes. Os últimos de Caetano Veloso e Marisa Monte, por exemplo, estão saindo por quase R$ 200 na Tracks Discos.
— Imagino que a decisão de lançar um CD ou um vinil hoje deva-se mais a uma estratégia promocional do que à busca por um faturamento maior, sendo que existem artistas e gêneros musicais, o clássico, por exemplo, que subvertem continuamente esta lógica — opina Paulo Rosa, presidente da Pro-Música Brasil.
— Está acontecendo com o CD o que ocorreu com o vinil anos atrás: tem muita gente jogando fora, e você pode encontrar coisas boas e baratas. Estou aproveitando para estocar. Além disso, os LPs raros chegam a valores surreais, e ouço muitos clientes dizerem que estão comprando CD porque é mais barato — conta. — Eles têm a necessidade do material físico.
Streaming sem limites
A tendência chegou a jovens que não conheceram o auge do CD e que ainda têm o streaming como “toca-discos”. Ouvinte de música erudita, Ana Nader, de 20 anos, seguiu rumo ao CD com o objetivo de se afastar um pouco do celular. O primeiro contato com essa tecnologia quase “arcaica” para a sua geração teve altos e baixos. Por um lado, ela achou o CD um tanto restritivo, dada a limitação do espaço para músicas. Por outro, acredita ter ficado um pouco mais seletiva sem a oferta infinita do streaming.
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A tendência de comportamento de consumo musical, apesar de relativamente recente, já começa a dar sinais de causa e efeito no mercado. E os mesmos preços inflacionados que atormentaram os colecionadores de vinil nos últimos anos também estão, em menor medida, ameaçando o novo queridinho dos sebos. Ainda que um CD dificilmente iguale o valor de um LP raro (que pode chegar até R$ 20 mil), os amantes de CD já sentem no bolso o “índice hype” do momento.
— Os CDs de heavy metal, por exemplo, subiram de maneira inimaginável — diz Philipe Baldissara Antunes, 22 anos, que voltou a consumir CDs após ter abandonado o hábito em 2012. —Quando eu era adolescente, comprava clássicos do gênero por R$ 20 ou R$ 30 reais, hoje são coisas que você encontra de R$ 90 para cima.
Assustado com o preço nas lojas, Philipe Baldissara Antunes passou a garimpar em sebos, e também em grupos de Facebook.