Idealizado em 1970 pelo dramaturgo, poeta, ensaísta e artista visual Ariano Suassuna (1927-2014), o Movimento Armorial propôs o cruzamento entre o erudito e a cultura popular a partir de uma produção genuinamente brasileira, que abarcasse diferentes práticas, como a música, o teatro, a dança, a literatura e as artes visuais. Pensada para celebrar o cinquentenário da iniciativa, mas atrasada a por conta da pandemia de Covid-19, a mostra “Movimento Armorial — 50 anos” é aberta hoje ao público do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio, buscando sintetizar em 140 obras a essência desta produção, incluindo nomes como Francisco Brennand, Gilvan Samico, Miguel dos Santos, J. Borges, Fernando Lopes da Paz e o próprio Suassuna.
Com curadoria de Denise Mattar e consultoria do artista visual Manuel Dantas Suassuna (filho de Ariano) e de Carlos Newton Júnior, professor da Universidade Federal de Pernambuco e especialista na obra do dramaturgo, a exposição inclui obras do acervo da UFPE que saíram de Pernambuco pela primeira vez.
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A exposição — que já passou pelo CCBB de Belo Horizonte (MG) entre dezembro de 2021 e o início deste mês, e do Rio vai seguir para Brasília e São Paulo — também terá uma programação musical e seminários entre 31 de maio a 13 de junho (mês em que Suassuna completaria 95 anos), com curadoria do músico e maestro Antônio Madureira, integrante do Quinteto Armorial. Outra interseção entre as artes proposta pelo movimento que será apresentada ao público da mostra é a recriação do figurino do longa “A Compadecida” (1969), primeira adaptação para o cinema de “Auto da Compadecida” (1955), de Suassuna, filmado por George Jonas em Brejo da Madre de Deus, no agreste pernambucano.
— Na pesquisa, encontramos uma das vestes originais, o manto de Nossa Senhora, e decidimos recriar algumas peças do figurino, que foi assinado pelo Francisco Brennand (1927-2019). Ali já havia muitos elementos da cultura popular inseridos, como no figurino de Jesus Cristo (vivido por Zózimo Bulbul), que era inspirado nos caboclos de lança do maracatu — observa Denise.
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A mostra é dividida em quatro seções, incluindo as duas fases do movimento, uma dedicada à vida e à obra de Suassuna e outra voltada às referências que definiram a estética armorial. Nesta última se destaca o universo do cordel, uma das maiores influências do dramaturgo.
— O Ariano dizia que o cordel continha todo o conceito por trás do Armorial, por ser uma arte completa. Há a literatura no romanceiro nordestino, as artes visuais contempladas nas xilogravuras das capas e ilustrações e a música e a dança presentes nas apresentações dos cantadores, quando transformam em canções aquelas histórias — comenta a curadora.
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Manuel Dantas Suassuna diz que a mostra foi uma oportunidade de se aprofundar na obra do pai, da qual precisou se afastar no início de sua carreira.
— Quando comecei nas artes plásticas, optei por sair de casa e ficar um pouco longe da referência do meu pai, para buscar a minha própria identidade — lembra Dantas. — Mas também não fui para muito longe, fui para Taperoá (PB), que é o berço da nossa ancestralidade.
Anos depois, pai e filho voltaram a dividir projetos, como a “Ilumiara Jaúna”, um monumento esculpido em baixo relevo na fazenda da família em Taperoá, inspirado nas inscrições rupestres da Pedra do Ingá, localizada no agreste paraibano. Com a proximidade do “encantamento” do dramaturgo, como Dantas chama a morte do pai, os laços ganharam mais força.
— Em 2013, ele chamou a mim e ao Carlos (Newton Júnior) para dizer o que ele gostaria que fosse feito de sua obra, com coisas que ainda estavam pendentes, como seu último livro (“Romance de Dom Pantero no palco dos pecadores”, publicado postumamente). Ele terminou de escrever pouco antes de se encantar, e nós cuidamos da capa e toda a parte visual — conta Dantas.
Além de celebrar os 95 anos que o pai faria com a exposição no CCBB do Rio, Dantas destaca uma coincidência na programação do centro cultural, que também exibe a mostra “Marc Chagall: sonho de amor”, inaugurada no último dia 16.
— Meu pai gostava muito de Chagall, era um de seus artistas preferidos. Me lembro de uma conversa lá em casa, quando estava começando a me interessar por artes plásticas, com ele falando sobre o Chagall e o Francisco Brennand defendendo o Picasso — diz Dantas. — É importante ver como essa geração partiu destas referências de fora para desenvolver uma arte com identidade nacional, olhando para a cultura popular. E ver como movimentos como o Armorial ou a Semana de 1922, que propuseram uma arte genuinamente brasileira, ainda mantém sua força entre nós.
Onde: CCBB. Rua Primeiro de Março 66, Centro (3808-2020). Quando: Qua a sáb, 9h às 21h. Dom, 9h às 20h. Abertura hoje. Até 6 de junho. Quanto: Grátis, mediante agendamento pelo site Eventim. Classificação: Livre.