A arquitetura de estilo neomanuelino — que em Lisboa, capital de Portugal, enfeita estrelas do patrimônio histórico local como a Estação do Rossio — também se destaca na paisagem do Centro do Rio, representada pelo imponente Real Gabinete Português de Leitura. O prestígio do endereço carioca, no entanto, vai além dos limites da cidade e do tempo: a instituição foi incluída, no dia 30 de janeiro, em uma lista das dez bibliotecas mais bonitas do planeta. E, recentemente, a surpresa: durante um trabalho de reorganização dos arquivos (o acervo atual reúne mais de 350 mil volumes), pesquisadores descobriram obras esquecidas, verdadeiros tesouros que, devidamente catalogados, vão engrossar a seção de preciosidades da biblioteca.
Conheça as 4 relíquias redescobertas
- Gravuras de ‘Os Maias’: o romance de tintas trágicas “Os Maias”, de Eça de Queiroz, foi lançado em 1888. Foram encontradas gravuras que retratam personagens e cenas da história de amor proibido entre os irmãos Carlos e Maria Eduarda.
- Uma carta do arquiteto do Real Gabinete: de julho de 1872, ano seguinte ao da aquisição do imóvel, o arquiteto português Rafael da Silva e Castro, fornece de próprio punho mais informações sobre o trabalho.
- A gravura francesa de Camões: do século XIX, a imagem retrata o autor de “Os lusíadas”.
- Tributo à aviação e assinatura de Santos Dumont: o memorial inclui partes do avião em que Sacadura Cabral estava quando morreu em um acidente aéreo, em 1924
O ranking montado pela Civitatis, empresa de distribuição on-line de visitas guiadas e excursões, inclui, entre outras, a Biblioteca Pública de Nova York, nos Estados Unidos, e a Trinity College, em Dublin, na Irlanda. Em 2014, o Real Gabinete Português de Leitura já havia sido lembrado em seleção semelhante publicada pela revista “Time”.
As riquezas do Real Gabinete Português
As estrelas da coleção, que vem sendo reunida desde o século XIX, incluem tesouros como um exemplar de “Os lusíadas”, do poeta Luís de Camões, de 1572. Entre os achados mais recentes identificados no arquivo estão uma carta escrita em 1872 pelo arquiteto Rafael da Silva e Barros, autor do projeto do prédio, uma gravura francesa que retrata o poeta Camões, nome maior da literatura portuguesa, uma assinatura do brasileiro Alberto Santos Dumont, o pai da aviação, e um conjunto de retratos de personagens do romance “Os Maias”, obra mais conhecida de outra estrela da literatura portuguesa, Eça de Queiroz. A seguir, saiba mais sobre as “novidades” encontradas no Real Gabinete Português.
Gravuras de ‘Os Maias’ com o devido destaque
Gravuras de ‘Os Maias’ no Real Gabinete Português de Leitura — Foto: Fabio Rossi
Clássico maior do autor de “A relíquia”, “O Crime do Padre Amado” e “O primo Basílio”, o romance de tintas trágicas “Os Maias”, de Eça de Queiroz, foi lançado em 1888. Na reorganização do acervo realizada no fim do ano passado, pesquisadores do Real Gabinete Português de Leitura encontraram gravuras que retratam personagens e cenas da história de amor proibido entre os irmãos Carlos e Maria Eduarda.
A coleção de imagens, de autoria do arquiteto Wladimir Alves de Souza, foi concebida por ele em 1963, como parte das atividades do “Club do Eça”, formado por admiradores do escritor português. As gravuras ainda serão alvo de mais estudos promovidos pelos pesquisadores da instituição, mas já ocupam lugar de destaque na “sala queiroziana”, dedicada ao recorte do acervo do Real Gabinete Português de Leitura mais ligado à obra de Eça de Queiroz (1845-1900).
A propósito: este é um dos ambientes reservados do palacete na Rua Luís de Camões. O prédio abre para o público de segunda a sexta, das 10h às 17h, mas os visitantes têm circulação restrita ao grande salão nobre do térreo.
Uma carta do arquiteto do Real Gabinete
Uma carta do arquiteto do Real Gabinete Português de Leitura — Foto: Fabio Rossi
Em carta com data de julho de 1872, ano seguinte ao da aquisição do imóvel na Rua da Lampadosa (atual Luís de Camões) onde viria a ser construída a sede do Real Gabinete, o autor do projeto, o arquiteto português Rafael da Silva e Castro, fornece de próprio punho mais informações sobre o trabalho.
O documento centenário encontrado nos arquivos da biblioteca foi armazenado junto a outros tesouros da tradicional “sala dos diretores” (espaço também fechado ao público). A carta de Silva e Castro agora divide atenções com a “colher de pedreiro” usada por dom Pedro II no lançamento da pedra fundamental do edifício, em 1880, o manuscrito original do “Dicionário da língua Tupi”, de Gonçalves Dias, e um exemplar da peça de teatro “Tu só tu, puro amor”, encomendada pelo Real Gabinete a Machado de Assis e autografada pelo autor.
Também são destaques da “sala dos diretores” a capa, a espada e o chapéu usados pelo escritor João do Rio em sua posse na Academia Brasileira de Letras, e um raro volume de “História universal, sagrado e profano”, de 1736, atingido por estilhaços durante um bombardeio na Revolta da Armada, em 1890.
A gravura francesa de Camões
A gravura francesa de Camões — Foto: Fabio Rossi
Camilo Castelo Branco (1825-1890), renomado romancista e dramaturgo português, também é homenageado no Real Gabinete com um espaço exclusivo, a “sala camiliana”.
O ambiente ainda guarda obras de Luís de Camões e do pintor José Malhoa. A aquisição mais recente desta seção do acervo histórico da centenária instituição é uma gravura de origem francesa, do século XIX, que retrata o autor de “Os lusíadas”.
A obra, encontrada na mais recente reorganização dos arquivos, foi restaurada. A diretora cultural e do Centro de Estudos do Real Gabinete, Gilda Santos, observa que a imagem apresenta um brasão, no seu canto esquerdo, onde se vê a imagem de uma ave conhecida como “camão”.
— Esse brasão é bem original. A história conta que a ave teria inspirado o nome do poeta. É um registro raro e muito curioso, deve ser mais estudado — afirma Gilda.
Do mais recente mergulho nos arquivos da casa também resultou o descobrimento de dois desenhos do pintor português Columbano Bordalo Pinheiro: os “achados” foram colocados ao lado de duas obras já conhecidas do mesmo artista.
Tributo à aviação e assinatura de Santos Dumont
Tributo à aviação e assinatura de Santos Dumont — Foto: Fabio Rossi
Os aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, responsáveis pela primeira travessia aérea do Atlântico Sul, partiram de Lisboa em 30 de março de 1922 e, após algumas escalas, chegaram ao Rio de Janeiro no dia 17 de junho.
O feito da dupla de pilotos foi celebrado recentemente no Real Gabinete Português com peças do acervo ligadas ao tema. O memorial inclui partes do avião em que Sacadura Cabral estava quando morreu em um acidente aéreo, em 1924, e um documento com assinaturas de autoridades como o Papa Pio XI, Dom Manuel I (rei de Portugal), Afonso XIII da Espanha e o príncipe Alberto da Bélgica. Em meio a esses ilustres jamegões, foi encontrada recentemente a assinatura do brasileiro Santos Dumont, pai da aviação.
Outra peça rara é o retrato do então presidente Epitácio Pessoa, em traje de gala, ao lado dos pilotos Sacadura Cabral e Gago Coutinho, em pleno Palácio do Catete. A imagem, que enquadra de maneira informal um pássaro em uma gaiola e um cão, atraiu a curiosidade de Gilda Santos:
— O espantoso é que o fotógrafo não mandou tirar a gaiola e nem o cachorro. Não sei se foi para passar alguma mensagem — diz ela.