CULTO SECRETO
Júlio Dinis
Ouve, lânguida virgem das cidades,
A paixão que me inspiraste.
Curvada, como a flor em vaso d'ouro,
Tu, bela, me encantaste.
Eu vi-te assim pendida; a estrela d'alva
Ao surgir do oriente
Não nos envia mais saudosos raios
Do seu leito fulgente.
A viração da tarde, mais amena
No bosque, não murmura;
A alva açucena, que o vergel enfeita,
Não tem a cor mais pura.
Eu vi-te, e desde então sempre em meus sonhos
Surges, e magoada
Pareces ver as vagas desta vida
Na margem debruçada
Vejo-te então ainda, e pensativa,
Os lábios entreabertos,
Murmurando em sentida linguagem
Pensamentos incertos.
Vejo-te ainda, as lágrimas ferventes
Dos olhos rebentando,
E, ao correrem nas faces, indiscretas,
Segredos revelando.
Que segredo é o teu, lânguida virgem,
Ideal dos meus amores?
Que imaginas nos sonhos dessas noites
Tão cheias de fulgores?
Que mistério procuras no ocidente
Ao desmaiar do dia?
Ou que visão esperas, quando a aurora
Com rosas se anuncia?
Que oculto sentimento reprimido
Te faz ansiar o seio?
Que íntima dor, que pensamento acerbo?
Que indefinido enleio?
Olha, se o coração te pede amores,
Virgem, não chores, canta,
Para ti é que são as flores da vida
E a luz que nos encanta.
Tu, sim, podes amar; nas sacras aras
Dessa chama inquieta,
Ateia o sacro fogo com que inflamas
O coração do poeta.
Tu sim, podes amar; mas eu... se ao ver-te
Interrogo o futuro,
Uma voz me murmura: «Adora, mártir,
Adora, e morre obscuro».