Em janeiro de 2023, eu e Natália caminhávamos pelo calçadão de Copacabana, quando resolvemos tomar água de coco em um dos muitos quiosques que há ali. Fomos atendidos por uma jovem que falava espanhol, o que também é comum na praia mais famosa do Brasil (quiçá do mundo).
Acostumado a encontrar argentinos trabalhando ali, estranhei o sotaque da moça e resolvi perguntar em qual país ela havia nascido:
– Cuba – respondeu prontamente a jovem.
Desde que passei a estudar espanhol, alguns anos antes, eu ainda não havia falado com alguém nascido em Cuba. Fiquei curioso. Depois de conversarmos um pouco sobre o Rio de Janeiro, tentei ampliar o tema da conversa e falei do meu interesse pela música cubana. Disse que gostava de ver vídeos de grupos musicais cubanos no YouTube. Arrematei falando da minha admiração pelas canções de Pablo Milanés e Silvio Rodriguez.
– Dois filhos da puta escrotos! – foi a resposta dela, com a voz ríspida e a fisionomia irritada.
Fiquei surpreso com a reação da moça. Não esperava aquela atitude diante da citação dos dois grandes artistas da ilha. O fato é que, após um final brusco da conversa, acabamos de beber nossa água de côco e fomos embora.
Mais de um ano depois, em viagem a Miami, eu e Natália pegamos um Uber do aeroporto para o hotel, em Miami Beach. O motorista era um cubano chamado Andrés.
Chegamos pelo aeroporto de Fort Lauderdale, que fica mais distante da cidade que o aeroporto de Miami propriamente dito. O percurso até o hotel durou quase um hora, tempo suficiente para uma boa conversa com o simpático Andrés.
Ao perceber sermos brasileiros, logo comentou que o pai, médico, havia participado do programa Mais Médicos, à época do governo Dilma. Criticou o programa, dizendo que o regime cubano ficava com quase todo o dinheiro pago pelo governo brasileiro, mas admitiu que, ainda assim, o pai ganhava melhor no Brasil que em Cuba.
Dessa vez fui mais cauteloso ao perguntar sobre artistas cubanos. Seguro de que já poderia entrar no assunto, comentei o episódio ocorrido em Copacabana e perguntei o que ele achava que tinha havido:
– Há muito ressentimento por pessoas que colaboraram para o comunismo em Cuba – foi a resposta. – O senhor realmente está falando de dois grandes artistas, mas foram apoiadores do comunismo desde o começo. Não dá pra perdoar essas pessoas. Deve ter sido por isso que a moça ficou chateada com o senhor.
A partir daí, eu e Natália praticamente não falamos mais, nos limitando a ouvir o que Andrés nos contava sobre sua vida. Disse que havia chegado a Miami aos treze anos de idade, em um barco lotado de pessoas que tentavam escapar da ditadura cubana (a palavra que ele usou foi essa: ditadura). Que seu avô vivia muito bem na ilha, antes do comunismo (a palavra que ele usou foi essa: comunismo), mas perdeu tudo na revolução, inclusive a vida, assassinado. Que, apesar de o pai ser médico, a família levava uma vida miserável, sem condições sequer de se alimentar adequadamente. Quando teve a oportunidade de fugir para Miami, não pensou duas vezes (o verbo que ele usou foi esse: fugir). Em Miami, estava casado, tinha duas filhas e vivia com certo conforto.
Para mim, estava mais que explicada a reação da jovem cubana, em Copacabana, um ano antes. Ela provavelmente teria uma história parecida. Talvez ainda tivesse parentes em Cuba, enfrentando sabe-se lá que tipo de dificuldades. Nunca saberemos.
No curto período que permanecemos em Miami, eu e Natália conhecemos ainda dois ou três cubanos, e ouvimos outras histórias de gente que se aventurou no mar para buscar um recomeço de vida, cheio de esperança, nos Estados Unidos. E estavam satisfeitos com a mudança.
Agora, continuo gostando das canções de Pablo Milanês e Silvio Rodriguez, mas, quando as ouço, lembro das histórias desses cubanos que tive oportunidade de conhecer. Admito que isso me dá um pouco de tristeza.
Encerro com a declaração de amor do próprio Pablo Milanês por Cuba, em show realizado em 2019. O artista viria a falecer em 22 de novembro de 2022, na cidade de Madri, Espanha.