24 de maio de 2021 | 05h00
A Madrasta da Branca de Neve queria matá-la apenas porque um espelho disse que ela tinha deixado de ser a mais bonita do reino. A Madrasta da Cinderela também a castiga por causa de sua beleza. Um vilão – em geral, uma vilã – nos contos de fada e nos desenhos da Disney raramente teve chance de ser mais do que mau como o Pica-Pau. Isso até o lançamento de Malévola. Ali, a bruxa que amaldiçoava a princesa Aurora se transformava em uma fada incompreendida. Seu sucesso certamente abriu caminho para a pior de todas as vilãs, aquela fútil o bastante para querer sequestrar filhotes de dálmata para confeccionar um casaco de pele.
E assim Cruella, de Craig Gillespie, chega aos cinemas e ao Disney+ com Premier Access (custo adicional mesmo para quem é assinante), na quinta-feira, 27. “Os vilões são divertidos de retratar, porque têm licença para fazer coisas que não são apropriadas, criando esses personagens extravagantes”, disse o diretor, que teve sua experiência com “vilãs” em Eu, Tonya, sobre a patinadora artística Tonya Harding, em entrevista coletiva, por videoconferência.
No primeiro trailer de 'Cruella', Emma Stone surge como uma vilã estilosa
“Sou brilhante, má e um pouco maluca”, diz Cruella, interpretada por Emma Stone, em determinado momento do filme, que se passa na Londres dos anos 1970. Mas, até ali, o espectador já acompanhou toda a jornada da personagem, a partir da pequena Estella (Tipper Seifert-Cleveland), uma garotinha rebelde de cabelo bicolor que perde a mãe logo cedo. Chegando sozinha a Londres, ela arruma como companheiros os igualmente órfãos Horace (Joseph MacDonald) e Jasper (Ziggy Gardner).
Na fase adulta, os três, agora interpretados por Stone, Paul Walter Hauser e Joel Fry, praticam roubos cada vez mais elaborados. Até que Jasper vê um anúncio de emprego na loja Liberty. Estella, que sempre quis mexer com moda, começa de baixo, limpando banheiros. Numa noite de frustração e bebedeira, refaz a vitrine da butique, chamando a atenção da Baronesa (Emma Thompson), a maior estilista da época, que a contrata. Não demora, e uma rivalidade feroz se estabelece entre as duas quando o passado vem à tona e provoca desejo de vingança em Estella. Assim nasce Cruella. “Nenhum ser humano sai pelo mundo achando que é um vilão, que é mau”, disse Emma Stone por videoconferência. “É uma história de natureza versus criação. Sua volatilidade, considerada um defeito por sua mãe, torna-se sua força por meio de sua criatividade e genialidade. É um filme sobre como suas fraquezas se tornam suas fortalezas, de certo modo.”
Se a Cruella da animação clássica 101 Dálmatas (1961), de Clyde Geronimi, Hamilton Luske e Wolfgang Reitherman, e do “live action” de 1996, com Glenn Close, parece má, espere até conhecer a Baronesa, toda trabalhada na rigidez e na frieza. “Eu tenho muito interesse no lado sombrio de uma personagem feminina, porque raramente as mulheres têm permissão de serem sombrias. Sempre temos de ser fofas e boas”, disse Emma Thompson na coletiva. Mas a Baronesa também apresenta suas razões para agir como age, dizendo que, se não tivesse sido focada, teria de engavetar seu talento, como tantas outras mulheres da época – e de hoje. “E ela não deixa de ter razão. Eu não faria o que ela faz para conseguir seu espaço, mas acho que tem algo de admirável seu compromisso com sua criatividade”, afirmou Thompson.
Emma Stone também declarou ter preferência por Cruella sobre Estella. “Cruella tem aceitação completa de quem é e da sua autonomia”, disse a atriz. Para o ator Mark Strong, que interpretou sua cota de vilões e vive aqui John, o valete da Baronesa, esse tipo de personagem é muito mais bacana de interpretar. “Porque você pode fazer coisas que não faria na vida real”, disse ele em entrevista ao Estadão. Aqui, há a raridade de serem duas as mulheres nessa posição. “E por que elas não podem se divertir com esse tipo de papel? Eu tinha total consciência de que se tratava de um longa protagonizado por duas mulheres, e tudo bem para mim. Quanto mais produções assim, melhor.”
A rivalidade de Estella/Cruella e da Baronesa se dá pela moda. Ao ser identificada como a autora de uma vitrine moderna na loja Liberty, Estella é imediatamente contratada pela Baronesa. Mas, se ambas têm talentos semelhantes, seus estilos não poderiam ser mais diferentes. A Baronesa é brilhante, mas está um pouco démodé. Seus vestidos são super estruturados, de tecidos pesados e pouco maleáveis, inspirados em Dior, Givenchy, Balenciaga. Já Estella representa o novo, o espírito punk que se alastrou na Londres dos anos 1970, representado na época por Vivienne Westwood e depois por Alexander McQueen e John Galliano.
O look de Cruella veio de uma foto da cantora Nina Hagen. “Foi muito inspirador ver aquilo, porque eu não era da turma da música naquela época”, disse a figurinista Jenny Beavan. Muitas das peças têm um ar dos mercados e brechós de Portobello Road, pois era comum misturar uma peça militar com uma saia de frufru, por exemplo. “A minha memória daquele tempo me ajudou muito. E muitas vezes cheguei ao set e vi peças iguaizinhas às que tinha”, contou Beavan. No total, a equipe fez 277 figurinos. Só a Estella/Cruella de Emma Stone tem 47 trocas de roupa. A Baronesa, outras 30. Até Horace e Jasper, os amigos de infância de Estella, têm 30 mudanças cada um, pois se disfarçam para aplicar seus golpes.
Estella se transforma em Cruella para se vingar da Baronesa, fazendo verdadeiras performances em seus bailes refinados e outros eventos de moda e tirando o foco da sua rival, que fica possessa. Num deles, ela aparece com uma saia gigante vermelha, que cobre um carro. Foram 393 metros de organza, com 5.060 pétalas colocadas a mão, uma a uma. “Precisava ser pesado o suficiente para rodar, mas leve para a Emma Stone poder subir no carro. Foi um desafio”, disse Beavan, vencedora do Oscar por Uma Janela para o Amor (1985) e Mad Max: Estrada da Fúria (2016).
Em outra ocasião, Cruella aparece num caminhão de lixo, usando um vestido feito com peças da coleção 1967 da Baronesa. “Isso parecia algo apropriadamente agressivo para Cruella fazer”, disse o diretor Craig Gillespie. “Eu queria homenagear essa coisa moderna de reusar, refazer e reformar coisas”, disse Beavan. O vestido tem uma cauda de 12 metros, presa por cabos ao corpo quando Emma Stone percorre as ruas de Londres em cima da caçamba do caminhão de lixo, às 3 da manhã. Sem o truque, a atriz não conseguiria se movimentar. Os dois vestidos foram os favoritos de Stone. “Não é nada remotamente parecido com algo que eu realmente poderia usar na vida real”, disse ela. “Aquela saia vermelha, também. Quando vesti, senti: Isso aqui é mesmo num filme.”