Segundo contava a parteira Carmosina das Tripas, famosa nos anos oitenta na Comunidade de Cachimbo de Boca sem Dentes, Floresta dos Leões, por puxar bebês de xibius sem anestesia, os gêmeos Cosme e Damião já nasceram dando sopapos no ar, de pingolins duros e mijando, um mau sinal de que não iriam ter bons modos de vida. Como a velha era uma espécie de morubixaba, advinha, mãe de santo respeitada na redondeza, parteira com uma longa experiência de vida, ninguém duvidava das suas premonições aziagas.
Adolescentes ainda, os dois gêmeos começaram a frequentar o cinema na comunidade do bairro administrado pelo senhor Irineu Venta de Cu de Ema, um sujeito mais feio do que as necessidades e mais gordo do que um hipopótamo. Assistiam principalmente a filmes de cowboys. Dentre seus favoritos estavam: Sete Homens e Um Destino (1960), Nas Trilhas da Aventura, (1965), Três Homens em Conflito (1966), Meu Ódio será sua Herança (1969), e todos os filmes de Kung Fus de Bruce Lee e genéricos, onde a pancadaria e a quebradeira sem pé nem cabeça de wushu (arte de guerra) comiam no centro e todos os brigões saíam correndo, quebrados e desconchavados no final, sem ninguém saber quem era os vilões ou o mocinho da história.
Foi a partir daí que os irmãos Cosme e Damião começaram a frequentar batizados, festas de aniversários, rala bucho, remelexos, quermesses, novenas, nos finais de semana à noite. Onde houvesse um sarau estavam eles lá para simularem uma briga entre ambos e saírem quebrando tudo que encontravam pela frente na porrada, no cacete e botando todo mundo para correr.
Empolgados com as diabruras aprontadas, tiveram a ideia de que todos os finais de semana iriam procurar uma casa, um bar, um cabaré, onde houvesse festas para participarem sem ser convidados para aprontarem. Chegavam. Sentavam à mesa. Observavam o ambiente e quando sentiam que a festa estava no auge, bolavam uma briga entre si, trocavam tapas, murros, quebra-quebras até o ponto de não sobrar ninguém na festa. Isso se repetia semanalmente entre os irmãos. Puro instinto presepeiro de se divertir com a desgraça alheia, quebrando tudo que encontravam pela frente, mas sem ferir as pessoas, apenas provocando prejuízo aos donos da festa para depois saírem sirrindo de se mijarem dos corre corres apavorados dos frequentadores.
Seus instintos de aventureiro era tanto, que com o tempo eles foram ampliando os freges e rompendo fronteiras. Em qualquer festa, aniversários, forrós, que chegavam podiam ficar certos os frequentadores que o pau ia comer no centro e não ia sobrar pedras sobre pedras. Eram bancos, mesas, tamboretes, garrafas – tudo destruído na porrada dos irmãos que saíam quebrando tudo por puro prazer e diversão.
Já de sacos cheios de fazerem arruaças nos bairros contíguos, partiram para outras paradas sem se darem conta de que suas aventuras presepeiras estavam tomando proporções gigantescas, perigosas, e mal vistas pelas pessoas. Atravessando fronteiras e chegando ao conhecimento de outras comunidades.
Um dia cismaram do forévis e saíram à procura de outros meios de diversão e quebradeiras e pensaram com seus botões: que tal irmos aprontar num terreiro de umbanda? E saíram à procura de um. De repente, passaram por um sítio onde havia o xangô tradicional de seu Zé Preto da Gamela, um macumbeiro do beição, conhecido e afamado na região por ajudar as pessoas carentes e comer priquitos de mães de santo fogosas que ficavam dando sopa em seu terreiro.
Entram. De cara topam com vários negões tocando tambores, mulheres vestidas tradicionalmente de vestidos compridos e estampados. Mesas fartas de todo tipo de comidas da região. Galinhas assadas. Bois guisados. Cabras refogadas. Bodes ensopados. Era a festa sagrada de Jurema, remanescente da tradição religiosa dos índios que habitavam o litoral da Paraíba, Rio Grande do Norte e no Sertão de Pernambuco e dos seus pajés, grandes conhecedores dos mistérios do além, plantas e dos animais.
Quando a festa pegou o pique mesmo, com todo mundo se manifestando, se torcendo, contorcendo e gemendo na boca de suas entidades, os irmãos gêmeos aproveitaram o ensejo, simularam que uma entidade havia lhes incorporados, começaram a berrar, gritar, saracotear, e do nada, baixou-lhes um caboclo desordeiros e o pau comeu no centro: quebraram as zabumbas, os pandeiros, as mesas. As cabras fugiram, os bois dispararam, as galinhas avoaram, e o povo sumiu, apavorado. Até os vira latas sumiram com os rabos entre as pernas maniçobas adentro. Foi um verdadeiro pandemônio.
Foi aí que seu Zé Preto da Gamela, um pai de santo tora pleura do beição, mais macho do que um preá de agave, dono do terreiro “A Pomba do Preto Velho”, sentindo a coisa preta, juntou-se aos outros pais de santos, cada um com um metro e oitenta de altura, braços grossos, beiços de gamela, partiram de porrete para cima dos irmãos desordeiros. Deram-lhe uma pisa tão do caralho com tora de marmeleiro, quebrando-lhes os dentes, as costelas, que os irmãos gêmeos sumiram no mapa todo quebrado e desconchavado, que até hoje devem estar correndo por dentro do mato com as pessoas que corriam paralelas com medo deles, sumindo do pedaço para sempre.
– Quem no butico do outro quer butar, no seu butico um dia será butado – dizia o tarimbado macumbeiro Zé Preto da Gamela, o comedor de xibius de caboclas viçosas.