RIO — Quando um vírus circula descontrolado, o jeito é trancar a população. Foi este o pensamento que norteou os governos de diversos países, como China, Cingapura, Itália, Espanha e França, ao instituírem políticas de confinamento. A medida é radical e os resultados nem sempre são certeiros — limitou a disseminação do coronavírus em nações asiáticas, mas a Europa, onde encontra mais resistência, ainda registra centenas de novos casos por dia.
Professor titular de Epidemiologia da UFRJ, Roberto Medronho defende a estratégia de isolamento, que poderia compensar, ao menos temporariamente, a falta de conhecimento científico sobre o novo coronavírus.
— Estamos diante de uma doença sobre a qual temos pouco experiência. É como trocar o pneu de um carro em movimento — compara Medronho, que é coordenador de um grupo de trabalho dedicado ao estudo do patógeno da UFRJ. — Alguns países, especialmente os asiáticos, mostraram que o confinamento restringiu o crescimento exponencial de transmissão. A Itália demorou para adotar esta estratégia e viu um rápido colapso de seu sistema de saúde.
Medronho reconhece que "é mais difícil fazer do que falar", inclusive porque confinar a população provoca um grave impacto econômico. Além disso, não se sabe por quanto tempo este método seria bem sucedido — caso obtenha, de fato, um bom resultado.
Há, também, outros efeitos colaterais. Cientistas já reconheceram uma relação entre a quarentena a enfermidades como depressão e estresse pós-traumático. Na China, houve aumento de casos de violência doméstica.
O epidemiologista sublinha que o governo brasileiro deveria adotar o confinamento para compensar o estrago que poderia ser provocado pela desigualdade social:
— No Brasil, o coronavírus chegou como uma doença da elite e da classe média, de pessoas que trouxeram o vírus do exterior, e agora estão internadas em hospitais privados. Agora, está migrando para camadas populares, que usam hospitais públicos, que já são sobrecarregados e têm funcionários mal pagos. Como não há condições de construir novos hospitais em poucos meses, precisamos restringir a mobilidade das pessoas, já que é uma doença sem vacina ou tratamento específico e transmitida pelo ar.
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Nações asiáticas são exemplo
Jairo Werner, psiquiatra da UFF, retornou recentemente da Antártica, onde estudou o isolamento e o confinamento de pesquisadores do continente gelado.
— Precisamos preparar pessoas que têm problemas como ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo e depressão, para que consigam se preparar para uma internação compulsória — explica. — É natural que, no início, haja uma resistência a esta nova realidade. Por isso, todos devem ser orientados não apenas a enfrentar a vida cotidiana, mas também a se comportar em a família. Algumas pessoas recorrem ao álcool para compensar o confinamento.
Para o psiquiatra, as diferenças culturais explicam por que nações asiáticas conseguiram uma melhor resposta ao confinamento do que as ocidentais. A população de países como Japão, Coreia do Sul, Cingapura e da região autônoma de Hong Kong teriam maior predisposição a aceitar medidas draconianas em nome do bem-estar coletivo do que a Europa, atual epicentro da Covid-19.
Na China, o autoritarismo do governo e o incentivo à delação de pessoas que violam a quarentena contribuíram para que o isolamento de cerca de 40 milhões de habitantes fosse respeitado.
Some-se a isso políticas que, embora controversas, foram desenvolvidas sem grande resistência, como uma campanha que realizou testes de diagnóstico de mais de 250 mil sul-coreanos. Estas iniciativas são aplaudidas pela Organização Mundial da Saúde. O diretor da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, assinala que nenhum país pode controlar a epidemia de "olhos vendados".
O argumento é corroborado pelo epidemiologista Marcel Salathé. Em entrevista à "Science", o pesquisador do Instituto Federal de Lausanne, na Suíça, afirmou que, "neste momento, 100% das nações que controlam o coronavírus o fazem com base em testes em testes e rastreamento, isolamento e quarentena".
— É necessário determinar iniciativas que ajudem a encontrar as infecções, acompanhe as exposições em potencial do coronavírus e interrompa todas as cadeias de transmissão possíveis — ponderou.
Pesquisadores do Imperial College London publicaram um estudo on-line no último dia 16 afirmando que mesmo um isolamento social completo não evitaria milhares de mortes. Por isso, os autores sugerem que a quarentena seja esporadicamente relaxada, permitindo a livre circulação das pessoas, e depois reimposta, quando os casos de Covid-19 voltassem a aumentar. Desta forma, a população conseguiria um índice de imunidade ao vírus.
Médica do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Marilia Santini assinala a dificuldade para conseguir a colaboração da população.
De acordo com a pesquisadora, a lógica científica do confinamento é reduzir a quantidade de casos que ocorrerão simultaneamente.
— É uma intervenção necessária para reduzir a incidência das infecções e permitir que os serviços de saúde tenham condições a atender a todos — explica. — Há um apelo para que a população de diversos locais do mundo, como França e Espanha, aceitem o confinamento, mas existe um equilíbrio frágil entre impor uma política de saúde pública e respeitar os direitos individuais - ressalta. Em cada país haverá uma reação, dependendo de condições socioeconômicas e da infraestrutura domiciliar.
Preparando a casa
Uma casa deve estar preparada para isolar um morador que for infectado. O paciente deve evitar contato com outros moradores — se tiver que se aproximar, precisará usar máscara. Também deve ter seus próprios utensílios, como prato e talheres, e ser responsável por trocar sua roupa de cama. Ela deve ser colocada em um saco plástico antes de ser jogada na máquina de lavar.
Mais de 80% dos casos de coronavírus limitam-se a sintomas leves, como mal-estar, diarreia, falta de apetite, cansaço e tosse seca. A recomendação é que apenas pessoas com problemas pulmonares procurem o hospital.