RIO — Se para os adultos já é difícil entender como a vida, de repente, virou de cabeça para baixo por conta do novo coronavírus, para as crianças está sendo ainda mais desafiador dar conta de tantas restrições. Como O GLOBO mostrou nesta segunda-feira, sem escola ou o abraço dos avós, os pequenos tentam, ao modo deles, lidar com as perdas e mudanças de rotina. Para a neuropsicóloga e psicopedagoga Maria Margarida da Fonseca, cada criança é particular, e a forma de enfrentar o isolamento social, seja com mais calma ou agitação, depende muito do contexto em que está inserida.
— No geral, as crianças não estão entendendo muito o que está acontecendo. Ocorre a explicação, mas a criança esquece. Da doença em si eles não têm noção do perigo, mas, mesmo assim, está se gerando muita ansiedade — diz a especialista — Uma paciente minha relatou que não sabe mais o que fazer, pois no condomínio onde mora há várias crianças brincando normalmente na área de lazer. Por mais que ela explique ao filho que não pode e é perigoso, ao ver, ele quer estar lá com os coleguinhas. Eles sentem falta desse contato.
Crianças respondem a questões sobre coronavírus
A especialista reiterou a importância de os pais não focarem tanto nos recursos que têm ou não, mas sim usarem da imaginação para encontrar uma forma de dar atenção aos filhos, e, ao mesmo tempo, incluí-los na rotina.
— É válido até largar algumas atividades de casa, para poder ajudá-los, principalmente em casos de crianças muito agitadas. Seja com joguinhos, brincadeiras, desenhos, filmes, o que puder ser feito para diminuir a ansiedade da criança. Eu falo para fazer um bolo, levar para cozinha. Trazer a criança, de alguma forma, para o seu mundo. Tem que inventar, porque a situação é difícil e complicada. O conselho que eu dou sempre é para que dê toda a atenção possível ao seu filho — diz a psicóloga.
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Em um cenário como este, é inevitável não falar sobre a morte, e o tabu da conversa sobre o fim da vida deve ser tratado com delicadeza. A profissional recomenda que, quando o assunto for mais grave, buscar uma forma lúdica de passar a informação e os resguardar em relação ao resto do noticiado.
— Os pais devem evitar que a criança participe desse tipo de coisa, mas quando acontece algum caso (de morte) na família, se deve explicar de algum forma. “Foi a vontade de papai do céu...”, e por aí vai. Não adianta fantasiar uma coisa de que não se pode fugir. Mas tentar evitar que as crianças fiquem vendo essa reportagens, já que até para os adultos está dificíl. E a criança tem até mais facilidade para relacionar esse assunto que o adulto.
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Sobre os dramas do da educação domiciliar, a psicopedagoga recomenda paciência e que os responsáveis por passar o conteúdo tenham compreensão das limitações impostas pelo cenário em relação aos filhos e eles mesmos.
— Digo para os pais fazerem o que der, não ficar cobrando muito dos filhos. A criança tem que saber que ela não está de férias, então, se possível, deve se manter aquela rotina da escola. Mas não adianta ficar cobrando muito em relação ao conteúdo, nem a própria escola vai poder cobrar isso. Não é o momento, e está difícil para todos — conclui a psicóloga.
*Estagiário sob supervisão de Leila Youssef