15 de agosto de 2022 | 10h00
Lançadas há uma semana, as camisas da seleção brasileira que os atletas usarão na Copa do Mundo do Catar provocaram frenesi entre os torcedores, despertaram sentimentos adormecidos nos fãs, foram objeto de críticas e elogios para além da estética e causaram divergência de opiniões entre estilistas, figurinistas e profissionais da moda no País. O motivo principal de toda essa agitação são as estampas em homenagem à onça-pintada. De acordo com a CBF e a Nike, o destaque representa o estilo de jogo do Brasil, "tão feroz quanto artístico", e a "garra brasileira".
Para entender melhor os pormenores da camisa, o Estadão conversou com Gustavo Viana, diretor de marketing da Fisia, distribuidora da Nike no Brasil. A reportagem também ouviu a avaliação de especialistas em moda a fim de se aprofundar na estética e também em outros aspectos ligados às peças, vendidas a R$ 349,99.
A Nike não abre as projeções de venda, mas afirma que o "o ritmo de saída está acelerado". Houve cerca de dez vezes mais unidades vendidas este ano em comparação com os dois primeiros dias do lançamento dos uniformes de 2022 com o de 2018, para a Copa do Mundo da Rússia, quando o Brasil ficou pelo caminho diante da Bélgica.
Como um dos principais símbolos da fauna do País, a onça-pintada foi escolhida como fonte de inspiração para os uniformes. Trata-se de uma tendência de moda conhecida como "animal print", na qual a roupa é feita para se assemelhar ao padrão da pele de animais como leopardo, onça, zebra e tigre.
A aposta foi em uma estética rara de se ver nos trajes futebolísticos, geralmente sem desenhos e detalhes mais chamativos. "Quando vimos uma onça, com o conceito de força e brasilidade, numa peça de futebol, um universo extremamente masculino, dá uma certa chocada. Estamos acostumados a ver camisas um pouco mais tradicionais", salienta o figurinista Paulo Paranhos, de 36 anos.
As peças foram desenvolvidas, segundo os criadores, com o pensamento de unir tradição, inovação, tecnologia e sustentabilidade. "A postura e o visual da onça simbolizam o espírito e a garra dos brasileiros e das brasileiras e também influenciam a moda, a música e muitos outros aspectos da cultura jovem", explica Viana.
"No resumo, conseguimos criar um uniforme inovador, mas que traz elementos bastante tradicionais e com conexão com a cultura e bandeira brasileira", considera o diretor de marketing da fornecedora. As peças foram produzidas a partir do aprendizado da coleção da seleção da Nigéria de 2018. Aquela ousada camisa verde clara com setas em branco e estilo rabiscado foi a sensação da Copa do Mundo da Rússia.
"Falando do padrão estético, ela traz um ar fresco que a seleção precisava. Sempre vi a camisa com um design muito quadrado. Esse é um bom exemplo de que é possível sair do padrão desenhando uma camisa", opina Andrade, diretor criativo da loja Guadalupe e que já fez colabs com marcas como Nike, NBA, Adidas, Asics, New Balance, Fila e Cariuma.
Na sua visão, a nova camisa do Brasil remete aos arrojados uniformes das seleções dos anos 80 e 90. "O esquema de sair do pantone oficial, dos tons de azul, verde e amarelo, quebrando o tradicional, foi outro ponto importante. É sutil, mas mostra um movimento jovem para a camisa", destaca.
Paranhos corrobora o ponto de vista de Andrade. "A Nike ousou um pouco mais, mas respeitando a moda. Hoje, a moda é muito plural. Está muito desprendida", avalia o profissional, que tem experiência em trajes esportivos. Foi ele que criou as roupas que usaram os lutadores no The Ultimate Fighter Brasil, reality exibido pela Globo em 2015.
A homenagem à onça-pintada foi o que mais chamou atenção e provocou controvérsias. As pintas do animal estão espalhadas por todo o primeiro uniforme, que apresenta o Amarelo Dinâmico. A segunda camisa, de cor Azul Paramount, é mais "selvagem", visto que as rosetas da onça são destacadas nas mangas. A roupa cria uma combinação que faz referência às três cores da bandeira nacional brasileira - o amarelo, o verde e o azul
A estampa animal surgiu na moda em 1947, quando Christian Dior encontrou uma alternativa para deixar de utilizar a pele animal. "Mas, ainda assim, é perigoso usar a estampa da onça-pintada por ser um animal ameaçado de extinção. Existe uma linha tênue nisso", alerta Raíssa Zogbi, jornalista pós-graduada em Estética e Gestão da Moda pela USP.
Ela entende que a escolha da Nike pode gerar ambiguidade. "Compreendo que a intenção tenha sido traduzir a garra e a força do animal, mas pode soar de uma forma negativa".
Fause Haten, de 53 anos, conhecido estilista e figurinista de teatro, desaprovou o novo traje da seleção em virtude da ausência de uma história aprofudanda no texto de lançamento do traje. "Acho muito simplista o uso de uma estampa de animal, nos dias de hoje, sem uma reflexão mais profunda", opina.
"Na pré-história os homens se cobriam com as peles de animais pra adquirir a sua força nas lutas e caçadas. Acho que não é disso que precisamos nem como mundo e nem como país nesse momento. Precisamos de esportistas que buscam a vitória, mas consideram a derrota, de um país que considera o adversário um colega de jogo", reflete.
Há, porém, os que não veem polêmica no uniforme que homenageia o felino de grande porte, um dos mais importantes da fauna brasileira. "Se a gente quer fazer um estudo estético trazendo referências brasileiras, por que não trazer um animal que está em perigo de extinção?", questiona o designer Pedro Andrade. "Acho muito bom quando corporações e marcas olham para a nossa riqueza natural. Só vejo aspectos positivos".
Os uniformes, diz a Nike, são feitos de poliéster reciclado de garrafas plásticas recicladas, o que reduz as emissões de carbono em até 30%, em comparação com o poliéster virgem, e ajuda a desviar anualmente uma média de 1 bilhão de garrafas plásticas dos aterros sanitários e cursos d'água. A fornecedora de material esportivo da CBF usou protótipos digitais para reduzir a geração de resíduos. O número de amostras criadas para fins de prototipagem foi reduzido em cerca de 75%, em comparação com os processos de 2018.