16 de março de 2022 | 05h00
A placa está lá na entrada da cidade, na saída da BR 226, e fica a mais ou menos 370 quilômetros da histórica capital São Luís. Nela está escrito em letras bem grandes: “no coração do Maranhão bate Tuntum”. Nesta quarta-feira, o coração dos tuntunenses vai bater ainda mais forte. É que a equipe local vai enfrentar o Cruzeiro de Belo Horizonte, em partida da Copa do Brasil. Um duelo inesperado, já que o Tuntum Esporte Clube foi criado há pouco mais de um ano, conseguiu acesso à primeira divisão do futebol maranhense, disputou um torneio classificatório, obteve a vaga para o torneio nacional e em sua estreia eliminou o Volta Redonda por 4 a 2. Agora, vai enfrentar o time de Ronaldo.
"Trabalhamos muito para trazer o jogo contra o Cruzeiro para a nossa cidade", conta Chiquinho Nascimento, presidente do clube que precisou fazer algumas 'mágicas' para convencer a CBF de que a cidade poderia receber um clube grande do futebol nacional. "Melhoramos o sistema de iluminação do estádio, mudamos um poste de lugar e os refletores, arrumamos a cabine de imprensa e demos garantias de que poderia haver condições técnicas para a transmissão por TV do jogo".
Tuntum é uma cidade de quase 50 mil habitantes na região central do Maranhão e, como em qualquer canto deste Brasil, ama o futebol. "Acontece que nosso estádio Rafael Seabra é pequeno, sua capacidade é para 3 mil espectadores", admite Chiquinho. Na partida contra o Volta Redonda, quando o Tuntum venceu por 4 a 2, houve comentários na cidade de que havia 5 mil pessoas assistindo à surpreendente vitória. "Tinha gente nos muros em volta do estádio, mas recebemos orientação da CBF para que contra o Cruzeiro ninguém fique nesses locais, pendurados, para evitar qualquer acidente".
O presidente Chiquinho promete que o fato não vai se repetir. Em compensação, o "camarote" do serralheiro Robério Pereira Diniz vai receber lotação completa. Robério é o dono da Serralheria Bel e o camarote dele fica em cima do seu estabelecimento comercial, na rua José das Cadeiras, número 250. Ali, naquele avançadinho, o torcedor assiste ao jogo em segurança e de um local privilegiado tudo o que se passa em campo.
"É totalmente seguro e fica a 20 metros de uma das traves", conta o ex-zagueiro Bel, que jogou até os 30 anos e só parou de atuar por causa de uma lesão no joelho. "Daqui de cima dá para ver o campo inteiro."
Ele disse que no jogo contra o Volta Redonda nem cobrou ingresso para os torcedores amigos, que chegaram a 108 fanáticos tuntunenses. "Desta vez, vamos ganhar por 2 a 1 e vou cobrar R$ 40 ou R$ 50 a entrada. Mas vou liberar só 60 pessoas, para que não tenha qualquer confusão".
Aliás, confusão mesmo só se alguém aparecer de amarelo no campo. A prefeitura local tem a cor azul em seus logotipos. E o amarelo é dos políticos adversários. "Nem cone amarelo entra em campo para marcar os treinamentos", já aprendeu o técnico Danilo Brito, que jogou 14 anos como profissional em times do Maranhão e da Bahia e agora sonha em fazer história em Tuntum.
E assim, com tamanha alegria, confiança e improvisação, Tuntum espera o grande dia. Não se sabe ainda se Ronaldo estará na cidade. "Os jogadores têm a promessa de um bicho de R$ 9 mil cada um em caso de classificação. Mas só se a gente passar de fase, porque aí entra uma verba de quase R$ 2 milhões da CBF", contabiliza Chiquinho.
No MG Hotel, a proprietária Maria das Graças também faz contas e comemora a volta da lotação completa do estabelecimento depois de dois anos de pouco movimento, em virtude da pandemia. Ela acha que vai ter até gente se hospedando na vizinha Presidente Dutra, que fica a 15 quilômetros de Tuntum. "Antes sempre lotava no mês de agosto, quando ocorre a festa do Padroeiro São Raimundo Nonato".
Desta vez, os 85 lugares do seu hotel estarão ocupados. "Só do Cruzeiro estão vindo 43 pessoas na delegação". O Ronaldo Fenômeno está no grupo? "Não sei, não perguntei", desconversa Gracinha, que com o Fenômeno presente ou não arrisca um placar de 2 a 1 para o Tuntum. "Contra o Volta Redonda ninguém acreditava... e foi 4 a 2". Se depender da fé em São Raimundo, a vitória é certa.
Uma das maiores curiosidades do local diz respeito ao nome da cidade. Os alunos que estudam na Escola Municipal José Teixeira aprendem três versões e espalham a lenda: Tuntum seria o barulho das águas do Rio Flores batendo nas pedras; Tuntum seria ainda o barulho feito pelas quebradeiras de cocos da região; e Tuntum também seria o barulho dos tambores em ação dos índios.
Até esta quarta-feira, o maior jogo de futebol da história da cidade foi a final do campeonato amador de 1987. Foi uma partida entre Metropol e Atalanta de Tuntum. "Ganhamos de 2 a 1", relembra orgulhoso Chiquinho Nascimento, hoje o presidente do Tuntum, mas que na época era o camisa 5 do time "italiano". Uma equipe de futebol, que era comandada pelo padre Ernesto Marelli, responsável pela Igreja de São Raimundo Nonato - o padroeiro da cidade.
O jogo foi disputado no campo da paróquia. O padre Marelli era natural de Bergamo. Daí sua paixão pelo Atalanta. "Ele gostava tanto de futebol, que era também o técnico do nosso time. E tudo corria por conta do padre: camisa, meia, chuteira, bola, tudo!"
Chiquinho, que hoje é o técnico do Atalanta de Tuntum, lembra que chegaram a ter uniformes oficiais da equipe italiana. "Quando o padre viajava para a Itália, muitas vezes trazia o uniforme e a gente se orgulhava de ser o Atalanta Brasiliano, como uma vez saiu em um jornal aqui do Maranhão."
Hoje, o Atalanta tuntunense é bicampeão amador da cidade e cede três jogadores ao time profissional do Tuntum Esporte Clube, que é conhecido na região como o Leão dos Cocais. Os jogadores são João Vítor, Geovani e Gabriel e enchem de satisfação os fãs do futebol raiz na cidade. Mas os mais velhos lembram com alguma tristeza que o maior jogador que já saiu dos campos tuntunenses foi mesmo Thiaguinho. Ele já tinha contrato assinado como profissional em Mirassol, mas quando voltou para passar férias em sua casa, morreu em uma briga. "Ele foi um ídolo de todas as nossas crianças", diz Chiquinho. Thiaguinho era filho do Zezinho Pedreiro e tinha 17 anos.
O técnico Danilo Brito foi um meia armador canhoto. Jogou nos times grandes do Maranhão, trabalhou como operário durante cinco anos no Japão antes de voltar ao Brasil. Fez faculdade de gestão esportiva, cursou educação física e está terminando o curso de técnico A na CBF.
Aos 49 anos, ele está à frente do projeto do time de Tuntum há quase um ano, vem obtendo muito sucesso e confia em nova surpresa nesta quarta-feira. Danilo só não esperava ter perdido dois jogadores na partida de domingo passado contra o Pinheiro, pelo Campeonato Maranhense, quando Negueba e Vagalume se contundiram.
Não tive esse pensamento, porque sei da importância do Campeonato Maranhense para o nosso projeto. É através dele que poderemos conseguir novamente classificação para um torneio nacional. Por isso corremos o risco, não poupamos o time e isso custou caro. Perdemos dois jogadores por lesão: o lateral-direito Negueba e o meia-atacante Vagalume, que foi um dos destaques contra o Volta Redonda.
Então, eu fiquei sabendo que eles contrataram em São Luiz um analista de desempenho que esteve em nosso estádio vendo o empate contra o Pinheiro. Mas isso agora é comum. Nós mesmos analisamos os jogos do Cruzeiro, o tipo de trabalho que seu técnico realiza e procuramos estudar tudo para aproveitar qualquer deslize.
Claro, ele é um jogador que eu observo desde os tempos do Brusque. E sei que finaliza muito bem. Sei também que o Cruzeiro tem um lado esquerdo muito forte. Mas nosso time vale mais pelo conjunto. No começo, pensamos até em contratar um "jogador-bilheteria", mas nossa força está no grupo.
Olha, eu até estou surpreso com a minha tranquilidade. Acho que estou amadurecendo e os 14 anos de futebol como jogador e agora esse começo de técnico estão me dando uma paz. Geralmente, sou mais agitado, mas creio na equipe. Digo que de 1 a 10, temos de 6 a 7 de chances de obter a classificação. Nem digo de ganhar, digo de conseguir a classificação, com um empate e nos pênaltis. O campo é menor, o calor é forte, são vantagens que temos.
Olha, vai sim. Embora como jogador eu tenha feito dois jogos que me marcaram muito: pelo Juazeiro contra o Bahia de Evaristo Macedo, quando perdemos a semifinal por 2 a 1 na Fonte Nova, e outro pelo Galícia contra o Vitória, quando perdemos por 1 a 0, gol de Petkovic cobrando falta.
Não. Mas minha mulher Aline virá de São Luiz para acompanhar a partida. Minha filha Isabela vai ficar com a avô dela na capital.
Ela é filha de japoneses e então eu fui trabalhar lá como operário mesmo. Passamos cinco anos. E como em todo lugar do mundo tem uma bola, joguei em um time amador e comecei a dar treino para crianças. Quando voltamos ao Brasil, voltei a estudar, fiz Educação Física, Gestão Esportiva, curso da CBF com gente como Pedrinho e Ramon e agora estou aqui. De novo com o futebol.